Amendoim: desafios da produção agrícola ao processamento industrial

            O Brasil voltou a ser exportador de amendoim em grão e óleo a partir dos anos 2000. O produto passou a contribuir positivamente para o saldo da balança comercial, depois de registrar déficits durante a década de 1990.
            Em 1999, as importações de amendoim sem casca, por exemplo, superaram em U$ 2,647 milhões as exportações, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX/MDIC)1. Já em 2001, registrou-se saldo positivo de U$ 3 milhões e o ano de 2004 encerrou com superávit de US$ 23,360 milhões. Esta inversão se deu por causa da adoção novas tecnologias na produção agrícola e no processamento que aumentou a produtividade por área cultivada e melhorou a qualidade do produto.
            A safra brasileira de amendoim 2004/05 deve fechar em 301 mil toneladas, com aumento de 39% em relação à anterior, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)2. O Estado São Paulo é o maior produtor nacional, com safra estimada de 216 mil toneladas (16% a mais que em 2003/04), de acordo com o Instituto de Economia Agrícola (IEA). Nos últimos cinco anos, a produtividade paulista cresceu à taxa anual de 3,7%, enquanto a área plantada teve redução de 2% ao ano.
            A produção paulista aumentava, na década de 1960, em razão do crescimento da área plantada. Nos anos 70, enfrentou grande concorrência de outras culturas, como a soja. A partir da década de 80, por razões econômicas, a soja praticamente substituiu o amendoim no âmbito da agroindústria esmagadora. Por outro lado, o amendoim veio ganhando espaço junto à indústria de confeitos, com crescimento do consumo 'in natura'.
            Essa trajetória trouxe novas exigências, principalmente relacionadas aos padrões de qualidade necessários para o atendimento da demanda da indústria confeiteira. Isto engloba questões sanitárias, como a contaminação por aflatoxina, mas traz também diferenças de especificações e padronizações que são traduzidas em diferenciação de preços no mercado e certificação.
            Nesse contexto, as técnicas de produção e manejo da cultura estão sendo modificadas através da introdução de novas tecnologias. Assim, podem ser identificadas quatro suposições básicas inerentes à hipótese da inovação induzida3.
            A primeira é que os preços relativos do mercado de fatores da produção são portadores de mensagens indutoras de criação e adoção de inovações tecnológicas. A segunda é que tais pressões se transmitem por meio de sinais captados e internalizados pelos agentes do mercado, em termos de maior rentabilidade.
            Na terceira suposição, a internalização dessas mensagens e sua tradução em problemas específicos de pesquisa geram a formação de grupos de interesse que atuam no sentido de organizar o sistema de pesquisa ou de pressioná-lo para a solução desses problemas. A dialética que se estabelece entre agricultores e pesquisadores é a expressão dessa ocorrência. Em quarto lugar, acredita-se ainda que o ajustamento entre esses diferentes aspectos do processo seja facilitado pela operação dos mecanismos do mercado.
            A produção de amendoim, tradicional na região da Alta Paulista, passou a disputar espaço com outras atividades, como a pecuária, bem como a ser efetuada na renovação de pastagens e de canaviais na região da Alta Mogiana. Dessa maneira, o ciclo de produção das variedades tornou-se elemento importante. O desenvolvimento de pesquisas foi focado em variedades com ciclo produtivo mais curto enquanto resposta a esta mudança no aproveitamento do fator de produção terra.
            Outra busca da pesquisa com melhoramento é o aumento da produtividade e da resistência a pragas e doenças. Isto implica em redução de custos pela menor intensidade de tratos culturais, sempre considerando a qualidade do grão de amendoim.
            No quadro 1, são descritas as principais características das variedades mais utilizadas pelos produtores nacionais.

Quadro 1 - Principais características das variedades de amendoim mais plantadas no Brasil

Variedade IAC Caiapó IAC Tatu-ST IAC Runner 886
Lançamento 1996 2000 2002
Ciclo Longo (130 a 135 dias) Curto (90 a 110 dias) Longo (135 a 140 dias)
Porte Rasteiro Ereto Rasteiro
Área plantada 8% 20% 42%
Característica Resistente a doenças foliares e incidência de fungos. Maior custo de produção em relação às variedades eretas. Seu porte rasteiro favorece a colheita mecânica. Grãos de tamanho grande (peneira 22 a 24) com película castanha e alta concentração de óleo. Alta produtividade, estimada em 4.100 kg/ha. Indicada para o mercado interno, pois apresenta boa qualidade do grão (peneira 16 a 18), película vermelha e sabor adocicado. Crescimento vigoro, boa resistência a doenças e apresenta menor custo de produção. Produtividade média é estimada em 2.950 kg/ha. Custo de produção é maior por ser mais suscetível a doenças foliares em virtude do ciclo mais longo. 

Proporciona grãos que atendem aos requisitos exigidos pelo mercado internacional em relação a tamanho, uniformidade e cor da película (rosada). Alta produtividade, estimada em 4.100 kg/ha e porte rasteiro que favorece a colheita mecânica.

Fonte: Elaborado pela autora, a partir de informações coletadas durante o II Encontro sobre a Cultura do Amendoim4

            Atualmente, as pesquisas5 estão focadas na hibridação e seleção de variedades rasteiras de ciclo semi-precoce, com ênfase na qualidade física dos grãos e produtividade, variabilidade para resistência e/ou tolerância a tripes e formação de aflatoxina, a partir de cruzamentos com espécies selvagens. Outro ponto considerado nas pesquisas é o equilíbrio entre os ácidos graxos aléico e linoléico. Eles são importantes na conservação do grão (oxidação ou racificação), mesmo depois de processado. Quanto maior a relação oléico/linoléico, maior o tempo de conservação.
            O manejo da cultura também é alvo de pesquisas. O destaque vai para estudos relacionados com o espaçamento entre as plantas e as linhas de plantio, o manejo de pragas e doenças, o uso de sistemas conservacionistas para cultivo e a nutrição da lavoura.
            Como em qualquer outro sistema de produção agrícola, outros fatores, além da escolha das variedades e técnicas de manejo, são importantes na produção do amendoim. Citam-se, principalmente, os procedimentos de colheita, beneficiamento e armazenamento do produto, em que a prevenção ao desenvolvimento dos fungos Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus, responsáveis pela formação da aflatoxina, é um dos grandes desafios da atividade.
            Nesse sentido, em meados da década de 90, representantes das indústrias processadoras, de beneficiadores e de cooperativas de produtores visitaram importantes regiões produtoras no mundo. A partir de então, introduziram na produção equipamentos para secagem artificial e maquinários para o processo de colheita.
            Em 2001, estas indústrias, juntamente com a Associação Brasileira das Indústrias de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (ABICAB)6, criaram o Programa de Auto-regulamentação e Expansão do Consumo de Amendoim (Pró-amendoim)7. Tem por objetivo o monitoramento da presença de aflatoxina no amendoim processado, através do selo de Qualidade do Amendoim ABICAB e de medidas de incentivo ao consumo de amendoim.
            Outro fator importante foi a publicação, em junho de 2003, da Resolução RDC 172, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)8. Ela dispõe sobre o regulamento técnico de boas práticas de fabricação para estabelecimentos industrializadores de amendoins processados e derivados.
            Por outro lado, o Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA)9 submeteu a consulta pública a Portaria 65 de 2004. O objetivo foi o de aprovar regulamento técnico de boas práticas agrícolas para o controle de aflatoxinas na cadeia produtiva do amendoim e referente ao método de amostragem e análise para determinação de aflatoxinas.
            A caracterização da eficiência de um determinado sistema produtivo não depende apenas da identificação de quão bem cada um de seus segmentos equaciona seus problemas de produção. Quanto mais apropriada for a coordenação entre os componentes do sistema, menores serão os custos de cada um deles, mais rápida será a adaptação às modificações de ambiente e menos custosos serão os conflitos inerentes às relações entre cliente e fornecedor10.
            Pode-se, então, visualizar a formação de grupos articulados na tentativa de aperfeiçoar a coordenação e eficiência, de maneira que a pesquisa tenha possibilidade de internalizar mensagens e a sua tradução em problemas específicos.
            Portanto, os esforços da pesquisa pública e privada, em conjunto com os demais agentes envolvidos em todos os elos que compõem as atividades de produção e processamento, estão contribuindo para a viabilização do amendoim, principalmente no Estado de São Paulo. O resultando é o aumento da produtividade e o surgimento de melhores produtos para o consumidor brasileiro, além da retomada do fornecimento ao mercado externo.11

__________________________
1 SECEX/MDIC:
www.desenvolvimento.gov.br
2 CONAB:
www.conab.gov.br
3 PASTORE, J. et al., Condicionantes da Produtividade da Pesquisa Agrícola no Brasil, Revista Estudos Econômicos 6(3): 147-82, 1976.
4 Realizado na FCAV/UNESP de Jaboticabal, dias 25 e 26 de agosto de 2005, sob a coordenação do Prof. Dr. Pedro Luís Alves, com o apoio do Instituto Agronômico (IAC).
5 Palestra Novos Cultivares e Perspectivas Futuras no Brasil – Pesquisador Científico Ignácio José Godoy, Instituto Agronômico (IAC/APTA), durante o II Encontro sobre a Cultura do Amendoim.
6 ABICAB: www.abicab.com.br
7 www.proamendoim.com.br
8 ANVISA: www.anvisa.gov.br
9 MAPA: www.agricultura.gov.br
10 Azevedo, P.F.; Nova Economia Institucional: referencial geral e aplicações para a agricultura. Agricultura em São Paulo, SP, 47(1):33-52, 2000.
11 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-87/2005; projeto de pesquisa em andamento no IEA, sob o NPR 1904.

Data de Publicação: 06/10/2005

Autor(es): Renata Martins (rmsampaio@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor