O associativismo de mercado na citricultura paulista

            As indústrias processadoras não podem mais, a princípio, fixar preços e condições para aquisição do produto em comum acordo e não podem adotar conduta comercial uniforme. A intervenção do Conselho de Defesa Econômica (CADE) na citricultura em 1995, inserida no âmbito das mudanças no papel do Estado e na abertura da economia, não modificou a estrutura do setor. Mas a adoção do contrato padrão de fornecimento das frutas foi suspensa.
            A natureza e a localização restrita dessa intervenção inauguram na citricultura uma etapa na qual o controle do mercado e as relações estabelecidas entre os agentes econômicos passam a ser realizados mediante processos culturais de internalização e validação dos requisitos da competitividade e da eficiência. Este desafio é importante para os produtores rurais, segmento que tem, em geral, possibilidade de reduzir custos de produção com mais flexibilidade estrutural que a agroindústria na produção do suco de laranja.
            A negociação de forma privativa de grupos ou produtores individuais melhor posicionados em termos de vantagens relativas (especificidade locacional, especificidade de ativos humanos, especificidade de ativos dedicados e especificidade temporal), bem como de relações interpessoais voltadas às trocas econômicas fundamentais, passou a ter um peso determinante na inserção, manutenção, remuneração ou mesmo, no outro extremo, na exclusão social na citricultura. Isto por causa da redução nas condições coletivas de barganha, no que diz respeito aos percentuais de margem a serem incorporados junto à agroindústria (após a extinção do contrato padrão).
            A economia dos custos de transação utiliza-se de três atributos: a freqüência das transações (seqüência e regularidade), a incerteza (variância ou desconhecimento de elementos futuros relacionados à transação) e a especificidade dos ativos. Esta última é uma caracterização precisa e mensurável pois se trata do perfil dos investimentos e o custo de sua realocação para outro uso (cultura de citrus como principal atividade)1.
            Os dois primeiros atributos dizem respeito a comportamentos e atitudes dos agentes econômicos. Já a especificidade dos ativos na citricultura é reconhecidamente elevada (tempo prolongado para os pomares entrarem na fase produtiva, alto custo de produção e manutenção dos pomares, envolvimento de ciclos geracionais, com necessários investimentos na formação e qualificação dos produtores e trabalhadores).
            A necessidade de diminuição dos riscos (incidentes nos custos de transação) é repassada às formas associativas de organização intermediárias de mercado, que vão buscar, em contrapartida, melhores preços e/ou contratos de fornecimento das frutas de mais longo prazo em relação ao produtor que permanece isolado.
            Somada à fragilização das instâncias de representação dos interesses, a interação social no mercado coloca com mais ênfase a necessidade de coordenação vertical para administrar o conjunto de transações, cujos custos, relacionados indiretamente com a produção, tendem a aumentar. A diminuição destes custos passa a ser a preocupação principal do setor para fins de manutenção da competitividade e das margens de rentabilidade entre as partes.

Os pools na comercialização das frutas

            Pools são agrupamentos de produtores centrados na venda de laranjas em conjunto. Garantem a 'imobilização' da produção dos associados para a indústria e a administração das operações da colheita (com exceção do pagamento dos trabalhadores); procuram concentrar geograficamente pomares e promovem a assinatura de só um contrato coletivo de venda e transporte das frutas até a indústria.
            A formação dos pools começou em 1975, durante um período em que o preço do suco no mercado internacional e, portanto, da laranja sofreu uma queda importante, situação agravada por uma oferta de fruta para transformação superior à demanda. Esta forma de associação mostrou vantagens frente ao acirramento da concorrência entre produtores.
            Algumas vantagens pessoais obtidas pelos produtores pertencentes aos pools: garantia de cumprimento dos prazos dados por parte da indústria para a realização da colheita, independentemente da desaceleração no ritmo geral da colheita; repasse de percentual maior para a primeira parcela e escalonamento das datas de pagamento das parcelas seguintes de forma favorável à reposição dos investimentos realizados; e liberação antecipada das frutas restantes nos pés (fora das normas rígidas do contrato que rege a imobilização dos pomares), o que possibilita ao produtor evitar perdas.
            Outras vantagens podem ser citadas: preço melhor pago pela caixa (até 20% superior ao preço médio da safra); maior taxa de rendimento da fruta para produção do suco (5% superior); possibilidade de arrendar parte da capacidade de esmagamento da indústria (toll processing); acesso em comum a serviços de contabilidade, agronômico, bancário e jurídico; compra por atacado de produtos químicos e participação como acionista do patrimônio do pool.
            Estas vantagens devem-se à grande quantidade de laranjas oferecidas em conjunto. Paralelamente, usufruir de um contato direto e pessoal com instâncias administrativas da indústria pode ser decisivo para que o produtor obtenha informações relativas à complexa rede de comercialização da laranja e do suco, às estratégias mercadológicas da indústria e às flutuações do comércio internacional. Uma vez de posse de informações relativas à safra do ano seguinte, o produtor poderá definir sua própria estratégia comercial e de investimento2.
            Em resumo, os pools abrem espaços privados de disputa de privilégios junto à indústria. A rigorosa seleção realizada no momento da admissão de um produtor em um pool é atestada pela preferência dada aos produtores que apresentem condições financeiras para aguardar o4s resultados das negociações com a indústria a cada ano. Muitas vezes isto ocorre por um período bem posterior à assinatura dos contratos, que aceitem a existência, em alguns casos, de privilégios internos na associação (como preços superiores concedidos à direção) e que não interfiram nas regras de funcionamento interno e de negociação com a indústria.
            O toll processing (utilização por produtores de parte da capacidade industrial ociosa para produção, com posterior venda de suco independente da agroindústria) é uma relação que ocorre há mais de 10 anos no setor3. O toll estabelece uma relação comercial específica entre um pool e uma agroindústria em particular.
            Do lado dos produtores, o principal motivo de adesão é o desejo de incorporar margens da indústria, ao procurar utilizar facilidades no comércio externo, efetivo controle de qualidade de sua fruta e aprendizado. Trata-se de um estágio obrigatório para quem quer se integrar verticalmente montando uma pequena unidade de beneficiamento das frutas.
            Do lado da indústria, são motivos para ceder capacidade produtiva: reduzir ociosidade; obter receita adicional (ao redor de USS 1,00 por caixa processada); ter menor necessidade de capital de giro (dispensando adiantamentos na compra de frutas); possibilitar melhor planejamento industrial; obter escala para operar eficientemente o transporte e a comercialização de suco; e demonstrar ao produtor e ao mercado as vantagens do estreitamento de relações.

Condomínios rurais na organização dos trabalhadores

            Após a eliminação do contrato de participação (ou padrão) em 1995, a agroindústria processadora descomprometeu-se com a organização e remuneração dos colhedores. Desta forma, parte dos produtores teve que (re)assumir a gestão das atividades de colheita, utilizando-se da prestação de serviços de Cooperativas de Mão-de-Obra.
            Para não haver grande elevação dos custos da colheita das frutas, as indústrias estimularam a contratação de mão-de-obra nos pomares, colocando pessoas de sua confiança na gerência de algumas destas cooperativas. Isto caracterizaria uma extensão informal da agroindústria com o objetivo de não serem cumpridos os direitos trabalhistas.
            Esta terceirização resultou em redução de custos de produção também devido à supressão de vínculo empregatício com o tomador de mão-de-obra; à desobrigação das responsabilidades trabalhistas e sociais; e à maior tranqüilidade na execução de trabalhos agrícolas, de certa forma configurando-se como um retorno da figura do gato.
            A partir de 1999, as inúmeras ações trabalhistas que tiveram ganho de causa fragilizaram as cooperativas, influenciando a formação de condomínios de produtores para a contratação conjunta de trabalhadores. O objetivo é a organização e constituição de uma figura jurídica nova, que contrata os trabalhadores para o condomínio, pelo contrato de safra e/ou contrato permanente de trabalho. Estes trabalhadores são alocados aos produtores de acordo com suas necessidades (plantio, tratos culturais e colheita).
            Os sindicatos de trabalhadores avulsos e os condomínios rurais representam para os produtores formas de eliminação dos passivos trabalhistas através da flexibilização na contratação dos trabalhadores que elas propõem4. Na primeira alternativa, o sindicato passa a ter a mesma atribuição de uma empresa de alocação de mão-de-obra e deixa de ter como atividade principal a representação e organização dos trabalhadores, o que constitui retrocesso político. Além disso, esta forma de contratação não atende a uma reivindicação fundamental dos trabalhadores que é o pagamento dos dias parados por razões de força maior.
            Na segunda alternativa, os condomínios rurais apresentam a vantagem de manter as conquistas dos trabalhadores e de aumentar o grau de organização e barganha dos produtores. Podem também contribuir para a diminuição do período de inatividade dos trabalhadores e, portanto, dos efeitos da sazonalidade, uma vez que direciona os trabalhadores para outras atividades fora da colheita como consertos de cercas e instalações, tratos culturais e plantio. Também pode e deve se investigar a influência dos condomínios com o avanço na qualificação e profissionalização dos trabalhadores assalariados.

Custos de produção e transação

            Os pequenos e médios produtores, base social da maior parte da produção de frutas e em termos de número de propriedades envolvidas, devem atender a requisitos não eminentemente estruturais para viabilizar sua inserção nas condições que o associativismo de mercado impõe. Os processos seletivos instaurados constituem redução dos custos de transação necessários porque se calcam em comportamentos dos produtores em relação a sua atividade econômica que garantem melhores posições no mercado.
            O que está sendo selecionado não são apenas escalas individuais de produção ou perfis econômicos baseados em características estruturais tradicionais (por exemplo, tamanho da terra e padrão técnico adotado), mas também formas de gestão da propriedade e da relação comercial estabelecida pelo citricultor.
            Os pools e condomínios de produtores são elementos organizacionais fundamentais diante de uma estrutura social pulverizada, porém com alta valoração dos ativos. Constituem-se não apenas como formas de redução dos custos de transação, mas também como elemento de redução crescente dos custos de produção, num momento em que o ambiente macro-institucional das políticas agrícolas gerais e setoriais perde sua força.5

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1 LOPES, F.F., CASTRO, L.T.;CONSOLI, M. A.e CARVALHO, D.T. de Análise das transações entre produtor citrícola e as indústrias processadoras de frutas cítricas. FEA/USP, Ribeirão Preto, outubro 2003.
2 CHALITA, Marie Anne. Cultura, política e agricultura familiar: a produção do empresário rural como referencial das estratégias de desenvolvimento na citricultura. PPGSociologia/UFRGS, 2004 (tese de doutorado).
3 NEVES, Marcos Fava. Sistema agroindustrial citrícola: um exemplo de quase-integração no agribusiness brasileiro. FEA/USP, Ribeirão Preto, 1995 (dissertação de mestrado).
4 PAULILLO, Luiz Fernando; ALVES, Francisco José da Costa. Crise agrícola e redução dos direitos trabalhistas: a citricultura sai na frente. Informações Econômicas, São Paulo: vol. 27, nº 1, 1999.
5 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-66/2005

Data de Publicação: 23/09/2005

Autor(es): Marie Anne Najm Chalita (mariechalita@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor