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Benefícios Da Pesquisa Agrícola Estadual
Os
benefícios da pesquisa agrícola para o consumidor foram determinados no
brilhante artigo 'A pesquisa agrícola e os benefícios ao consumidor', de autoria
de José Roberto Mendonça de Barros, Juarez Rizzieri e Alexandre Mendonça de
Barros, publicado no jornal Valor Econômico de 24/01/2002 (p. A10). Com base nos
preços ao consumidor na Cidade de São Paulo, os autores concluem,
fundamentalmente, que 'durante 25 anos os preços reais de alimentos de uma cesta
significativa caíram, em média, 5% ao ano'. Dentre os fatores que determinaram
essa redução de grande magnitude nos preços, destaca a elevação da produtividade
em função da política de pesquisa agrícola.
Essas transformações não são fruto da geração espontânea, como pontuam os
autores, daí a necessidade de identificar políticas públicas produziram esses
efeitos magníficos. Trata-se de uma política com efeitos distributivos notórios,
pois a redução dos preços da cesta de alimentos tem o efeito de elevar os ganhos
reais das populações de baixa renda em proporção superior aos das altas rendas,
exatamente porque é nas camadas mais pobres que recai a maior proporção dos
gastos totais com alimentos.
Nessa busca de identificar as políticas que propiciaram esses resultados, é
importante analisar os produtos destacados no estudo citado. A maior queda em
termos de taxa média anual de preços foi a do feijão (-13,4% no período
1975-2000). A inovação fundamental que produziu o efeito de redução nos preços
foi o lançamento em 1969 do cultivar IAC-Carioca pela pesquisa paulista, com o
que a produtividade, então cadente, reverteu essa tendência histórica e saltou
da média de 400 kg por hectare para 1.200 kg/ha. O segundo produto é o frango,
com redução de 8,2% nos preços. Nessa cadeia de produção, em São Paulo, a
genética é privada mas a sanidade é fruto de ação estadual e os custos refletem
os ganhos de produtividade do milho e da soja. No complexo avícola, a diminuição
dos preços do ovo (-5,2%) resulta do mesmo processo.
Em relação direta com o complexo produtor de grãos está o óleo de soja (-8,1%
nos preços). A soja foi introduzida nos anos 1930s e desenvolvida no Brasil pela
pesquisa paulista, que não apenas revolucionou a base genética que deu origem à
soja tropical como também lançou as bases de seu plantio no cerrado paulista,
conquistas estas aprofundadas depois por outras instituições. O café apresentou
queda de 7,4% ao ano nos preços ao consumidor. E praticamente todas as
variedades de café são oriundas do Instituto Agronômico. Da mesma forma, o arroz
(com redução de 7,8% nos preços ao ano) resulta da verdadeira revolução da
rizicultura irrigada lastreada na pesquisa gaúcha e dos plantios de sequeiro e
de várzea úmida resultantes da genética paulista.
Esses produtos já demonstram a expressiva contribuição da pesquisa estadual, em
particular a paulista. Para ficar apenas na ciência paulista, seria possível
acrescentar os efeitos sobre o açúcar (-4,8%), banana (-3,1%), carne (-5,8%) e
laranja (-2,6%). Nessas cadeias de produção, não há contestação quanto à
liderança nacional da pesquisa paulista. Outros resultados demonstram o elevado
retorno do investimento do governo paulista na geração e transferência de
conhecimento para os agronegócios. Estudos do Instituto de Economia Agrícola
(IEA) comprovam esses retornos, assim como demonstram os efeitos nacionais
desses investimentos que irradiam benefícios por todo o Brasil. No período
recente, é importante destacar que a renda da agropecuária paulista cresceu 12%
em valores constantes, no biênio 2000-2001, e os saldos comerciais de exportação
do agronegócio paulista saltaram de US$ 1,62 bilhão para US$ 2,65 bilhões no
mesmo período. Mais ainda: do saldo da balança comercial brasileira de US$ 16,45
bilhões, US$ 4,5 bilhões vieram de café, cana e laranja (27,3%), cuja base
tecnológica tem presença estratégica da pesquisa paulista.
A reflexão sobre esses dados é fundamental para entender os rumos das políticas
públicas para os agronegócios, em especial para ter claro a realidade de crise
dos sistemas estaduais. O Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA),
criado nos anos 1970s sob coordenação da EMBRAPA, praticamente não existe mais,
com o Governo Federal abandonando totalmente a aplicação de recursos nas
instituições estaduais. Em função disso, um número significativo dessas
instituições foi extinto ou várias delas foram fundidas com outras entidades. Os
efeitos nos preços, medidos pelo estudo de Mendonça, Rizzieri e Mendonça e pelos
estudos de taxa de adoção, são fruto de estudos realizados nas décadas de 1960 a
80. A EMBRAPA, criada em 1973, deu um salto expressivo na nacionalização da
dinâmica de inovações. Contudo, a pesquisa sob o comando dos governos estaduais
é essencial, em especial numa quadra em que a inserção competitiva num mercado
globalizado resulta de vantagens de origem e da potencialização das
especificidades locais que construam vantagens competitivas sobre pilares de
vantagens comparativas existentes. E isso não se concretizará escrevendo o
epitáfio das instituições estaduais.
Essa opinião certamente também está contemplada na visão dos autores, daí o fato
de a pesquisa paulista sentir-se lisonjeada que estudos tão consistentes
comprovem os benefícios sociais de seus resultados. Mas era preciso chamar a
atenção para a crise das organizações estaduais de pesquisa, assim como defender
a criação de uma Rede Nacional da Pesquisa Estadual dos Agronegócios junto ao
Ministério de Ciência e Tecnologia, que financiaria a reestruturação dessas
instituições. Mais ainda, é necessário entender que o monopólio do saber e o
monopólio institucional acabaram face à complexidade dos sistemas produtivos dos
agronegócios.
E não pode passar despercebida a decisão do Governo de São Paulo de revigorar
sua estrutura de pesquisa para os agronegócios, não apenas pela elevação dos
investimentos do Tesouro do Estado de R$ 56 milhões para U$ 73 milhões, no
período 1998-2001, como também pelo Decreto n° 46.488 de 8 de janeiro de 2002,
por meio do qual o Governador Geraldo Alckmin consolidou a Agência Paulista de
Tecnologia dos Agronegócios (APTA). Numa visão de cadeia de produção, essa
Agência incorpora o Instituto Agronômico (IAC), o Instituto Biológico, o
Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), o Instituto de Economia Agrícola
(IEA), o Instituto de Zootecnia (IZ) e o Instituto de Pesca (IP). Os resultados
sócio-econômicos provêm da convergência de todos esses seis institutos inseridos
na solução dos problemas das cadeias de produção. Afinal, 81,7% das exportações
do agronegócio paulista são de manufaturados e semi-faturados, e não de produtos
primários. Mais ainda: estabelece 15 Pólos Regionais de Desenvolvimento
Tecnológico dos Agronegócios como estruturas multidisciplinares, nos quais os
seis institutos atuam em ações convergentes para a competitividade das cadeias
de produção regionais.
O Governo de São Paulo rema contra a maré do sucateamento da pesquisa estadual.
Essa decisão, no mais puro apego à visão social-democrata, resgata e fortalece
uma função indelegável do Estado, no sentido de construir o desenvolvimento
sustentável dos agronegócios. O rol de resultados já consagrados demonstra o
acerto dessa decisão governamental. Essa, como as grandes decisões, teve
repercussão restrita. O consumidor paulista, que compra um produto mais barato,
sequer imagina que o governo estadual mantêm 675 cientistas dedicados a melhorar
a qualidade e baixar os preços dos produtos que consome. Não há atrevimento em
afirmar que, no longo prazo, esse investimento na pesquisa para os agronegócios
tem taxa de retorno superior à de obras de infra-estrutura viária como o
Rodoanel, ambas ações significativas do governo paulista. Entretanto, trata-se
de decisão peculiar. Afinal, os bons políticos constróem obras estratégicas, mas
somente os estadistas conseguem ir além das obras estratégicas, construindo as
instituições construtoras do futuro, e por elas são referenciados na história de
seus povos.
Data de Publicação: 28/03/2002
Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor