Reforma Agrária, Um Desafio- A Pesquisa E Os Números

            Apesar dos anos de discussão, debates, mobilizações e enfrentamentos, volta e meia algumas revelações que envolvem a questão agrária parecem surpreender, mesmo que as informações já houvessem sido apontadas por um ou outro ator envolvido neste processo.
            Diversos pesquisadores levantam questões sobre a atuação de parcelas do movimento de luta pela terra - ou do MST especificamente - como a não explicitação de um projeto mais elaborado de reforma agrária (RA) por parte dos movimentos sociais, a forma de condução dos acampamentos e a consciência de luta, a qual vem sendo construída muitas vezes sem a participação de parcela da população presente nos eventos e acampamentos dos movimentos. Tudo isso gera, através da mídia, uma visão negativa da RA.
            As taxas de desemprego e de crescimento econômico do País, porém, vem apontando a RA como uma solução, pois ela pode ser considerada estratégica tanto do ponto de vista econômico quanto do social, ganhando cada vez mais adeptos mesmo em parcelas da população não comprometida com esta questão. Pensemos um pouco sobre o assunto.
            A necessidade cada vez mais urgente de se encontrar caminhos para solucionar os problemas resultantes do crescimento da população desempregada impõe que haja diálogo nesse sentido.
            A postura dinâmica dos movimentos propicia a organização das famílias assentadas. O acesso à terra é condição para o trabalho em ocupações diversas que garantam o seu sustento na terra, desenvolvendo também atividades não-agrícolas, que agreguem, assim, novas formas de assegurar sua permanência no campo.
            Soma-se ao quadro atual o grande número de agricultores familiares expulsos do campo, os quais passam a reivindicar emprego, renda e terra, pois, para a maioria deles, o acesso à terra, contraposto a sua situação de exclusão e pobreza, é o único caminho que garantiria emprego e geração de renda.
            A reivindicação dos movimentos sociais, apontando para a necessidade de avanços na RA, é reconhecida até nos discursos e ações governamentais, conforme se constata pelo crescimento dos assentamentos no País nos anos 1990s.
            No entanto, o espaço político conquistado e a autonomia desses movimentos começaram a ser enfrentados com medidas duras nos últimos anos, que, tecnicamente, beneficiam os proprietários de terras que não cumprem sua função social. Um exemplo é a medida provisória 2.109-50 (publicada em março de 2001), que determina que os imóveis rurais que tenham sido objeto de ocupação por movimentos sociais, resultante de conflito agrário, independentemente do tempo de permanência do grupo de 'sem terra' na área, passem a ter o benefício de não serem vistoriados para fins de RA, durante dois anos após a desocupação da propriedade.
            Esse tipo de posição mantém na situação atual tanto os trabalhadores sem terra quanto os latifundiários, uns teimando em sobreviver e os outros gozando dos benefícios da concentração fundiária, mesmo sem cumprir as obrigações sociais exigidas na lei, pois essa mesma volta a lhe favorecer. Nesse ponto, passa a ser decisivo o papel do Poder Judiciário na análise dos casos de ocupação.
            Outras medidas, como o estímulo aos latifúndios para participar do Programa de Arrendamento Rural, mostram os limites e a direção que o tratamento da questão agrária teria: o conflito foi a opção escolhida para administrar a questão. Somando-se a esse quadro, a redução orçamentária para a RA, em 2002, explica o acirramento da relação entre os movimentos sociais e o Governo Federal.
            O acompanhamento da questão revela, mesmo sem dados mais precisos, a existência de grupos armados, que, ao atuar como empresas de segurança, exercem função de polícia privada para os grandes proprietários de terra nas áreas de conflito. Os dados sobre violência resultantes desses conflitos são apresentados tanto pela CPT como pela Ouvidoria Agrária Nacional, que faz seu próprio levantamento desde 2000, com resultados distintos quanto ao número de mortes registradas.
            Quanto às metas de assentamento e ao número de famílias assentadas, já é longa a discussão, que envolve desde instituições governamentais até UDR, MST, CPT, ABRA, ONGs e pesquisadores, pois existem disparidades nos dados, o que mostra efetivamente os diferentes compromissos e preocupações, reflexo de posições distintas, ligadas a um avanço formal e contábil ou à concretização de mudanças na sociedade.
            A discussão acerca das disparidades dos dados reflete a 'queda de braço' e a importância do papel da mídia nesse contexto, em que posições políticas e caminhos distintos de desenvolvimento estão contrapostos. Podemos considerar, ainda, que entre os interesses governamentais está a forma de utilização dos dados resultantes dessas políticas, pois melhores indicadores sociais podem afetar o desempenho das negociações econômicas do País.
            Assim, os pesquisadores dispõem de gama variada de fontes de informação, com dados conflitantes disponíveis. Compreender a RA requer conhecimento e acompanhamento histórico da questão agrária, seus desdobramentos e os diversos interesses políticos e econômicos envolvidos, assim como exige análise atenta.
            É papel da pesquisa fazer a leitura ampla dos dados, através da contraposição das metodologias. Pode-se assim realizar a leitura dessa questão, a qual é apresentada nas contradições, divergências e diversidade históricas, que representam os interesses das classes sociais envolvidas na luta como atores ou como sociedade que será beneficiada ou não pelo arranjo sócio-econômico e espacial resultante das posturas adotadas nesse processo de RA.

Data de Publicação: 20/05/2002

Autor(es): Ana Victoria Vieira Martins Monteiro (ana.monteiro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor