Leite Longa Vida Isento De Icms

            O Decreto estadual 47.064/02 incorporou o leite longa vida no artigo 9o do anexo III do regulamento do ICMS, obtendo tratamento semelhante ao do milho para pipoca, polpa de tomate, milho em conserva, palmito em conserva, etc. Tal artigo concede um crédito outorgado de 6,7% nas saídas 'promovidas pelo estabelecimento fabricante' de leite longa vida localizado no Estado de São Paulo.
            O crédito outorgado é utilizado para que o estabelecimento não necessite comprovar o pagamento de ICMS nas operações que antecedem a saída do produto final. Como se pode reparar, o artigo 9o do anexo III relaciona produtos oriundos de processamento de produtos agrícolas cujos produtores, em sua maioria pessoas físicas, não realizam escrituração fiscal (milho, tomate, palmito). Dessa forma, os estabelecimentos industrial e agrícola não precisam comprovar o recolhimento de ICMS incidente nas operações anteriores (como matéria-prima, energia elétrica, telecomunicações e óleo diesel).

            A condição básica do crédito outorgado é que os créditos tributários oriundos das operações que antecedem a saída do produto final sejam estornados. Isto é, a regra geral do regulamento de ICMS paulista é que o estabelecimento beneficiado por créditos outorgados (ou presumidos) deve optar entre utilizar os créditos de ICMS pagos nas aquisições de matérias-primas (e outras como energia elétrica, telecomunicações e óleo combustível) e simplesmente estorná-los e utilizar o valor concedido pela lei: no caso, 6,7%.

            O princípio do crédito presumido é o de que o estabelecimento tenha pago tributo em operações anteriores, mas tem alguma dificuldade em comprovar.

            O crédito outorgado pode, também, incentivar setores, pois grande parte dos produtos agrícolas destinados à industrialização tem o recolhimento diferido, isto é, não recolhe o ICMS.

            É o caso do leite in natura produzido no Estado de São Paulo, que não recolhe ICMS na saída para a indústria. Após a industrialização, a saída do leite longa vida recolherá 7%. Com o novo decreto, desconta-se dessa alíquota 6,7%, resultando em 0,3%. Equivale quase a uma isenção nas saídas para o supermercado. Trata-se de uma forma de elevar a rentabilidade da indústria dada a pressão exercida pelos supermercados de não elevar os preços pagos para a indústria paulista.

            Caso o leite in natura venha de outro estado da Federação, a mesma lógica se repete, mas um benefício adicional ocorre: não há estorno do imposto pago na operação interestadual (12% sobre o preço do leite cru). Isto é, a indústria pagaria 7% - 6,7% = 0,3% sobre o valor da venda do leite longa vida e ainda se creditaria do ICMS pago nas saídas do leite cru de outros estados para a indústria paulista. Por exemplo:

Compra de Minas Gerais a R$0,38

Imposto interestadual: 0,38 x 12% = R$0,05

Venda do longa vida pela indústria = R$1,00

ICMS = 7% - 6,7% = 0,3%

R$1,00 x 0,3% = R$0,003

Com a manutenção do imposto interestadual:

R$0,003 – R$0,05 = - R$0,047

Ou seja, a indústria ainda tem direito a um crédito tributário de R$0,047 por litro de leite longa vida.

Isto beneficia o produtor de Minas?
NÃO – porque o crédito de R$0,05 refere-se ao valor pago em Minas pelo produtor local, isto é, o produtor recebeu R$0,38 e pagou R$$0,05 à Secretaria da Fazenda de Minas Gerais, ficando com:
R$0,38 – R$0,05 = R$0,33 = valor realmente recebido pelo produtor mineiro

SIM – caso a Secretaria de Minas Gerais (ou de qualquer outro Estado) tenha desenvolvido mecanismos de não recolher o ICMS devido nas operações estaduais. O que deve ser checado nas respectivas legislações.

            Considerando que o produtor rural de leite in natura de outro Estado realmente pague o ICMS nas saídas para a indústria paulista, a sua remuneração descontada do imposto passa a ser menor que a do produtor paulista, pois este tem o recolhimento do imposto diferido (tabela 1).

Tabela 1 - Preço médio recebido pelo produtor, conforme procedência do leite in natura, agosto/2002, R$/litro

SP
MG
PR
GO
RS
Leite C 
R$ 0,36 
R$ 0,38 
R$ 0,37 
R$ 0,39 
R$ 0,35 
ICMS interestadual (12%)
R$ 0,05 
R$ 0,04 
R$ 0,05 
R$ 0,04 
Preço recebido menos ICMS
R$ 0,36 
R$ 0,34 
R$ 0,33 
R$ 0,34 
R$ 0,31 
Fonte: Investnews, BM&F e Scot Consultoria (milkpoint). Elaborado pelo IEA

            Desta forma, apesar de o preço ao produtor ser maior nos outros estados (exceto no Rio Grande de Sul), o recolhimento do ICMS diminui a margem do produtor e eleva a margem da indústria paulista, pois ela se credita deste valor (tabela 2).

Tabela 2 - Preço recebido pela indústria paulista, descontado o ICMS pago nas operações interestaduais e o preço pago ao produtor, conforme procedência do leite in natura

  SP MG PR GO RS
Leite C  R$ 0,36  R$ 0,38 R$ 0,37  R$ 0,39  R$ 0,35 
ICMS interestadual (12%) R$ 0,05  R$ 0,04  R$ 0,05  R$ 0,04 
Preço recebido pela indústria pelo leite Longa Vida R$ 1,00  R$ 1,00  R$ 1,00  R$ 1,00  R$ 1,00 
antes do decreto
ICMS devido R$ 0,07  R$ 0,07  R$ 0,07  R$ 0,07  R$ 0,07 
creditos acumulados na operação interestadual R$ -  R$ 0,05  R$ 0,04  R$ 0,05  R$ 0,04 
ANTES DO DECRETO 47.064/02
ICMS a ser recolhido pela industria paulista R$ 0,07  R$ 0,02  R$ 0,03  R$ 0,02  R$ 0,03 
margem industria paulista
Preço longa vida - leite C -ICMS R$ 0,57  R$ 0,59  R$ 0,60  R$ 0,59  R$ 0,62 
DEPOIS DO DECRETO 47.064/02
ICMS a ser recolhido pela industria paulista R$ 0,03  R$ 0,03  R$ 0,03  R$ 0,03  R$ 0,03 
crédito não estornado R$ 0,05  R$ 0,04  R$ 0,05  R$ 0,04 
ICMS R$ 0,03  R$ (0,02) R$ (0,01) R$ (0,02) R$ (0,01)
Preço longa vida - ICMS - leite C R$ 0,61  R$ 0,63  R$ 0,64  R$ 0,63  R$ 0,66 
Fonte: Elaborado pelo IEA com dados da Tabela 1

            Isto ocorre independentemente do decreto 47.064/02. O efeito deste decreto foi o de elevar as margens seja no processamento de leite paulista seja no processamento de leite de outros estados (tabela 2).
            Finalmente, o decreto reduz a carga tributária para 7% da margem do supermercado. Dado que a margem do supermercado tem se mantido quase nula (preços no varejo estão próximos dos preços pagos à indústria), equivale quase a uma isenção (alíquota de 0,3%). Isenção válida apenas para a indústria de leite longa vida paulista. Se o supermercado comprar de indústria situada em outra unidade da Federação, pagará o tributo normalmente (alíquota interna de 7%).

 

Data de Publicação: 25/11/2002

Autor(es): Regina Helena Varella Petti Consulte outros textos deste autor