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Mudanças na citricultura paulista
No
cenário atual, em que o complexo citrícola brasileiro se encontra inserido e a
co-responsabilidade das partes é essencial para manter seu sucesso, há
indicações de que: 1) a demanda reprimida de suco
no mundo ocidental (União Européia e Estados Unidos) parece que se exauriu; O
modelo de remuneração da laranja aos citricultores – principal matéria-prima do
produto final – sofreu poucas alterações nas últimas quatro décadas no Brasil,
ao se admitir que a essência dos contratos de compra e venda tenha sido quase
sempre resultante do poder de barganha e ajustes entre produtores e indústrias,
conquanto por vezes acompanhados de perto pelo governo.
2) incrementos de consumo per capita e de conquistas nos
mercados asiáticos e do leste europeu requerem um processo de produção agrícola
agrícola/industral de menor custo em dólares;
3) é
enganoso imaginar que a redução da oferta de laranja ('quebra ou saída de
produtores') seja a solução para aumento dos preços do concentrado;
4) diante do avanço da cultura de cana-de-açúcar, a redução
forçada da produção de laranja não selecionará os produtores mais capazes ou de
menor custo de produção; e
5) as empresas industriais
mostram-se cada vez mais preocupadas em implementar pomares próprios para
garantia parcial (ponto de 'break-even') e planejamento de colheita para
suprimento de fruta.
Os volumes exportados (mais de 1 milhão de toneladas) mostraram crescimento,
mesmo tendo ocorrido, primeiramente, um aumento no número de empresas
processadoras (máximo de 17 de 1996 a 2000) e, posteriormente, uma concentração
decorrente de fusões, aquisições e saídas do mercado (gráfico 1).
Sem entrar em maiores detalhes dos contratos e tampouco julgá-los como melhores
ou piores, para uma ou para outra das partes, comentam-se aqui alguns pontos
específicos, dentre os quais aspectos da valoração da laranja, ou seja, do preço
pago pela matéria-prima.
Retrospectiva
Em 1963, foi instalada a primeira grande fábrica de suco concentrado congelado de laranja em São Paulo (SUCONASA, em Araraquara). A empresa encontrou uma citricultura já implantada (17 milhões de plantas e 21 milhões de caixas), cuja produção era destinada ao comércio de frutas in natura para o mercado interno e para exportação. Uma das primeiras preocupações foi, sem dúvida, a de suprimento da matéria-prima para o processamento industrial que deveria ocorrer durante alguns meses e com um fluxo diário de frutas em condições de manter as máquinas (extratoras e evaporador) em contínua operação; ou seja, em ritmo bastante diferente daquele que se registra nos packing-houses voltados para a seleção de fruta fresca.1
Houve, portanto, necessidade não só de formação de mão-de-obra nas fábricas mas,
também, de ajustar um sistema de aquisição e recepção da matéria-prima. A
solução foi a de se valer da oferta a ser proporcionada por grandes atacadistas
e exportadores de fruta fresca, além de algumas compras diretas junto a
citricultores.
Como era tradicional nos meios citrícolas de São Paulo, a colheita e o
transporte ficavam por conta dos 'fornecedores da indústria', o que lhes
proporcionou se apropriarem de um excedente financeiro pois recebiam pela fruta
posta-fábrica um preço superior àquele pago aos produtores e mais as despesas de
colheita e transporte.
A partir de meados da década de 70, todas as empresas de processamento passaram
a se responsabilizar pela colheita e transporte da laranja dos pomares para as
fábricas, uma vez que havia disputa pela matéria-prima. Essa relação bilateral
entre indústrias e produtores foi se intensificando e, sob certos aspectos, até
facilitada, porque significativa parcela de citricultores preferia não ter
preocupação na contratação de mão-de-obra para a colheita da fruta. Deixava,
assim, tais operações por conta da indústria, que dispunha de material e
equipamentos (escadas, sacolas e caixas) e de caminhões próprios para o
transporte.
Com a crescente expansão dos volumes a serem processados, o 'setor de suprimentos ou de compras de pomares' das empresas industriais foi ganhando expressão. Todos foram estruturados com mais recursos humanos2, planejamento e logística de operação, ocupando espaços que poderiam ter sido absorvidos pelos citricultores, individual ou coletivamente (cooperativas, pools ou grupos de
venda).
Mudanças nos contratos
Nas
cadeias de comercialização de vários produtos do agronegócio, observa-se que é
exceção/pouco comum verificar casos em que a responsabilidade pela colheita da
produção fica por conta dos compradores, como ocorria até 1995 com a laranja
para a indústria na citricultura paulista. Ao contrário, praticamente todos
produtos agrícolas devem ser ofertados ao mercado uma vez colhidos e obedecendo
a especificações explicitadas em contratos de compra e venda entre as partes
como são os exemplos de tomate e de frutas para compotas.
Em São Paulo, a produção de suco de laranja de elevado padrão tem sido
resultante da boa seleção das frutas na recepção das fábricas, feita por
amostragem das cargas, com o objetivo de correta estocagem nos silos em função
das variedades e grau de maturação, com o fim de obter produtos com padrões que
atendam aos requisitos exigidos pelos importadores.
A partir de 1996, colheita e transporte passaram a ser por conta do produtor
diante do compromisso de cessação de uso do contrato padrão na compra e venda de
laranja imposto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). A
amplitude de tolerância, de qualidade da fruta entregue nas fábricas, mutuamente
acordada entre produtor e indústria, evidentemente, obedecendo a padrões mínimos
necessários, não só não comprometeu a qualidade do suco produzido, como também
não alterou o ritmo de processamento industrial e tampouco ocasionou perdas de
produção.
Essa situação pode ser explicada pela extensão dos pomares, sua diversificação
varietal, heterogeneidade de idade das plantas, dispersão geográfica de plantios
que determinam um processo desigual de maturação e, particularmente, por ser uma
citricultura não irrigada mais sujeita a eventos climáticos da natureza.
Tal conjuntura, além de evitar uma entrega caótica de fruta, permite que as
empresas maximizem seus ativos industriais. Dessa maneira, antecipam e prolongam
o período de processamento, além de proporcionar mais condições para preparação
de 'blends'.
Segundo diversos autores, poderia ser considerado injusto e causar distorções
indesejáveis o sistema adotado durante a vigência do 'contrato-padrão', de
remunerar os produtores com preços igualitários por caixa de laranja,
independente da distância do pomar à fábrica onde a fruta seria entregue e sem
considerar os custos da colheita. É que este sistema era omisso em não
considerar diferenciais de fretes, penalizando alguns e beneficiando outros
produtores. Essa situação propiciava um afastamento das fontes da matéria-prima
para regiões cada vez mais distantes das fábricas, com expansão das áreas
plantadas.
Da mesma forma, acabava por não estimular, via preço, produtividades agrícolas
mais elevadas ao não penalizar uma colheita mais cara, devido à menor
produtividade por planta, uma vez que seu custo era considerado igual em todos
os pomares (tabela 1).
Tabela 1 – Índices de custos de colheita e de transporte por caixa de laranja, São Paulo
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Diante
dessas situações, pode-se admitir (ou considerar) que, para o setor como um
todo, as mudanças no sistema de comercialização – fruta posta fábrica por conta
do citricultor – vieram corrigir as distorções apresentadas. Assim, tornaram a
remuneração mais justa para os citricultores mais eficientes e próximos das
fábricas, até mesmo estimulando mais ainda a concorrência entre as empresas
processadoras na aquisição de pomares, em vista de que as apropriações de custo
de frete e colheita passaram a ser realizadas caso a caso.
Outrossim, propiciaram condições para que a gestão das turmas de colheita e de
frete passasse a ser distribuída entre todos fornecedores da laranja e houvesse
redução nesse setor das empresas processadoras.
Outras mudanças
A
primeira pergunta que surge é: o momento é propício à revisão do modelo de
remuneração dos citricultores? Considere-se que o preço médio da caixa de
laranja a ser pago pela indústria, a cada safra, dependerá das cotações obtidas
na venda do suco concentrado, que por sua vez deve refletir as condições de
oferta e demanda.
A questão, salvo melhor juízo, passa a ser, então: quais indicadores
(parâmetros) utilizar para se chegar ao preço a ser pago a cada produtor? Uma
vez que, até agora, tem sido estabelecido entre as partes através de contratos
livremente negociados, bilateralmente, e sem interveniências de terceiros ou
então dependentes de determinados fatores físicos variáveis durante a safra.
Tais considerações remeteriam à questão: por que não remunerar por sólidos
solúveis por caixa, uma vez que quanto maior o rendimento, menor a quantidade de
caixas será necessária para fabricar uma tonelada de suco concentrado? É bom
lembrar que, durante a utilização do chamado 'contrato-padrão', o rendimento era
fixo, ou seja, não previa o pagamento de acordo com esse elemento (ou fator).
Quais suas implicações para todo um setor que tanto sucesso obteve até agora?
Os adeptos dessa sistemática costumam usar como exemplos o setor canavieiro
brasileiro e a Flórida, principal concorrente do Brasil, onde é utilizado um
modelo de pagamento da laranja em função dos sólidos solúveis por caixa. Porém,
o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) mantém nas fábricas um
inspetor oficial que se ocupa da avaliação dos rendimentos na produção de suco,
apoiada em procedimentos padronizados nos laboratórios.
Conquanto seja apenas uma mera suposição de aspectos operacionais (ou práticas),
não se pode deixar de assinalar pontos que deverão merecer atenção dos
citricultores. Entre eles, podem ser citados:
a) caminhões são rejeitados no
pátio de uma empresa e o produtor tenta colocar a carga em outra empresa no
mercado 'spot';
b) um produtor tem contrato com preço menor numa certa indústria e sabe que outra está pagando mais caro. Não deve ser abandonada a ilação de que ele propositalmente mande caminhões com fruta para rejeição na primeira empresa para poder reenviar para a segunda3;
c) se quase toda produção numa safra amadurecer por igual, irá aumentar as filas de caminhões em algumas fábricas que poderão prometer ou fazer análises mais rápidas. Conseqüentemente, estarão sendo mais procuradas que outras e em condições de impor preços (ou condições de pagamento) menos vantajosos aos produtores4;
d) pode haver maior
porcentual de fruta que não encontre colocação na indústria pelo encurtamento do
período de processamento;
e) não fica descartada a
idéia de fábricas paradas e outras superlotadas; e
f)
aumentos nos custos de colheita de frutas poderão ocorrer, na medida em que a
demanda por mão-de-obra e veículos tenderá a se concentrar em menor período de
tempo.
Adicionalmente, outras ponderações devem ser consideradas e analisadas pelos citricultores e estudiosos do assunto, para que se obtenha não um consenso, mas sim soluções que permitam manter o mercado internacional até agora conquistado. Entre outras, acrescente-se:
a) a idade das plantas
interfere no rendimento, ou seja, plantas jovens produzem frutos mais pobres em
sólidos solúveis do que os de plantas mais velhas;
b)
as plantas mais velhas tendem a ter uma queda de frutos mais acentuada;
c) a quantidade de frutos numa árvore cítrica também altera
a retenção, ou seja, quanto maior a carga, maior a queda dos frutos;
d) como os porta-enxertos e as variedades-copa de um pomar
já instalado estão definidos, a troca por outros que proporcionem mais sólidos
solúveis será um processo de longo prazo;
e) pomares mais produtivos por planta apresentam, via de regra, rendimentos menores de suco por caixa5;
f) o
pagamento do colhedor é por caixa e independe de sólidos solúveis (ou seja, o
custo não está relacionado à despesa);
g) a estrutura
industrial na Flórida é completamente diferente da de São Paulo, uma vez que se
constitui de grande número de fábricas voltadas ao mercado interno, que são de
dimensões menores do que as paulistas cujas produções de suco são destinadas
(95%) ao atendimento do mercado internacional. Ademais, a citricultura
floridiana é irrigada e tem assim uma uniformidade de florada e controle de
maturação das frutas.
Por
fim, não se pretende, absolutamente, fazer a apologia de um mercado sem normas,
mas sim que sejam estabelecidas de comum acordo entre os segmentos industrial e
agrícola, a partir de mútuo entendimento entre as partes, sem prejuízo da
qualidade do suco brasileiro.
Em São Paulo (ao contrário do que ocorre na Flórida), a emissão de várias
floradas pela árvore (agosto a dezembro), que, conseqüentemente, produzem frutos
com diferentes estágios de maturação em uma mesma época, pode restringir a
prática de uma única colheita dos frutos desejáveis para a obtenção de suco de
boa qualidade e maximização de resultados dos produtores.
Tal situação levou ao estabelecimento de um anexo de qualidade nos atuais
contratos entre citricultores e indústrias, onde se encontram descritos
parâmetros que definem porcentagem de suco nas frutas e graus mínimos e máximos
de brix, de forma a permitir uma flexibilidade no 'ratio' do suco e a formação
de estoques para formulação de 'blends' para atender mercados diferenciados.
Na medida em que a programação de colheita por sólidos solúveis por parte de uma
empresa não é a mesma coisa que pagamento por sólidos solúveis, perduram outros
questionamentos. Por exemplo: haverá possibilidade de contratos por 2 ou 3 anos
de vigência?
A despeito de qualquer outra argumentação mais clássica, o sistema brasileiro de
recepção de frutas tem sido um sucesso até o momento, regido por acordo entre as
partes que conjuntamente conseguem equilibrar suas necessidades. Qualquer
ruptura desse sistema, além de representar um desprezo às desigualdades no
Brasil, poderá desencadear um desequilíbrio.
Para concluir, a literatura é restrita, o debate está aberto e os pesquisadores
são chamados a se manifestarem com subsídios importantes para tomadas de
decisões por parte dos citricultores e indústria.
___________________
1 MONTENEGRO, Heitor S. Curso Avançado de Citricultura. Piracicaba: ESALQ/USP, 1958. (Apostila).
2 Entretanto, além de passarem a se constituir em setor da fábrica cuja gestão exigia estruturas cada vez mais complexas (ou pesadas), o número de processos trabalhistas foram aumentando e gerando custos para as empresas.
3 Uma situação parecida com essa ocorria na comercialização de figo e de uva, na região de Jundiaí e Valinhos, quando a compra e venda da produção era feita com preço(s) pré-fixado(s) para toda quantidade remetida ao mercado e não enviada em consignação pelo produtor. Para aproveitar preços mais altos os vizinhos (e/ou parentes) trocavam oportunamente parcelas entre si de modo a auferir melhor cotação.
4 Essa conjuntura vem se observando nas compras por grandes redes de supermercados ao imporem menor preço (ou descontos abusivos) em troca de condições de fornecimento.
5 DI GIORGI, Fábio. Exaustão do modelo de remuneração na citricultura. Laranja, Cordeirópolis, v.12, n.1, p.95-115, 1991.
Referências bibliográficas
AGUIAR, Isabel D. Plantadores querem mudar fórmula de cálculo de pagamento. Folha de São Paulo, 17/06/2005.
AMARO, Antonio A. – Mudanças na Citricultura Paulista. Informações Econômicas (IEA), SP, v.27, no.9, p.45, set.1997.
AMARO, Antonio A. – Estratégias para a laranja no Brasil – in Neves, Marcos F. et al. – Editora Atlas/PENSA – 2005.
AZEVEDO, Paulo F. de Integração vertical e barganha. São Paulo: USP/FEAC, 1996. Tese de Doutorado.
CAIXETA FILHO, José V. Programação de colheita através do teor de sólidos solúveis. Laranja, Cordeirópolis, v.14, n.1, p.45-74, 1993.
DI GIORGI, Fábio et al. Qualidade da Laranja para industrialização. Cordeirópolis, v.14, n.1, p.97-118, 1993.
GARCIA, Ana E.B. Mudança tecnológica e competitividade na indústria brasileira de doces e conservas de frutas. Campinas: UNICAMP, 1996. Tese de Doutorado.
GROWER guide to participation plans. Flórida: Citrus Mutual, 1975.
SEABRA, Catia. Inspeção em frigoríficos em nove Estados. Agrofolha, 17/05/2005.
THAME, Antonio C. M.; AMARO, Antonio A. Relações contratuais de compra e venda de produtos agrícolas. In: Projeto Agroindústria e Desenvolvimento no Estado de São Paulo. São Paulo: BADESP/FEALQ/IEA, 1978.
Data de Publicação: 05/08/2005
Autor(es): Antonio Ambrósio Amaro (amaro.pingo@gmail.com) Consulte outros textos deste autor