Segurança Alimentar E Qualidade Da Água

            Recente estudo (AMARAL, 2000) demonstrou que a água utilizada para a higiene dos equipamentos e úberes dos animais, em 90% de 30 propriedades leiteiras escolhidas ao acaso entre 100 identificadas nos municípios de Pitangueiras, Sertãozinho, Pontal, Taiaçu, Taiúva, Monte Alto, Barrinha, Jaboticabal, Morro Agudo, Viradouro, Terra Roxa e Sales de Oliveira, apresentava contaminação microbiológica e estava fora dos padrões de potabilidade. A água para o consumo humano e animal também apresenta índices elevados de contaminação.
            A maior parte ( 83%) das propriedades estudadas possui área entre 26,4 e 720 hectares. Cerca de 45% delas abrigam de 51 a 100 animais, com lotação de 1,2 a 72 cabeças por hectare. Os poços, dos quais 57% com profundidade até 10 metros, são a principal fonte de abastecimento em 73% das propriedades. A menor profundidade dos poços está associada à maior contaminação.
            No que diz respeito à água para consumo animal, a pesquisa concluiu que 43% na estação das águas e 50% na seca estavam fora dos padrões recomendados pela Resolução 20 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), de 18/06/96. Quanto à água para o consumo humano, 97% das propriedades nas chuvas e 90% na seca estavam fora dos padrões de potabilidade estabelecidos pela Portaria 36 do Ministério da Saúde, de 19/01/90.
            Apesar da pequena abrangência espacial, a pesquisa retrata a situação em uma área de padrão tecnológico acima da média do Estado e, por isso, sugere a necessidade de formulação de uma política estadual efetiva. Tal política deve iniciar-se por um diagnóstico amplo do problema e formulação de diretrizes para a promoção do manejo adequado dos dejetos, realizado de 'alguma forma' em somente 10% das propriedades estudadas.
            A qualidade da água no Estado de São Paulo constitui sério obstáculo para os produtores orgânicos preocupados em garantir a qualidade dos alimentos aos seus consumidores.
            A preocupação com a qualidade da água utilizada na produção agrícola levou o Governo dos Estados Unidos da América a formular uma política, dentro do marco do Estado neo-liberal, identificada como de 'Segurança Alimentar'1. Esta preocupação esteve inicialmente relacionada com a existência de resíduos químicos prejudiciais à saúde, provenientes do uso inadequado de insumos ao longo da cadeia alimentar. Atualmente, está também voltada à contaminação microbiológica.
            Em 1997, o poder executivo americano anunciou a política: 'Iniciativa para a Segurança Alimentar'. A demanda presidencial foi a de que todos os órgãos públicos federais estabelecessem o 'Consórcio Interinstitucional de Avaliação de Risco' para promover a base científica de avaliação do risco de contaminação microbiológica, desenvolvendo modelos de predição e outros instrumentos. Entre os avanços realizados com base na 'Iniciativa', estão as estratégias de gestão das agências reguladoras para reduzir o risco com este tipo de contaminação dos alimentos. O exemplo relevante, para o objetivo deste texto, é a iniciativa identificada como 'Hazard Analysis Critical Control Point' que estabelece requisitos gerais e orienta os agentes a aplicar as diretrizes e a desenvolver passos específicos para obter um programa efetivo de controle dos riscos de contaminação.
            Este problema se agrava no caso dos agricultores e produtos orgânicos, cuja qualidade e higidez devem ser garantidas ao cliente pelas certificadoras. Com a preocupação centrada nestes produtores, o Small Farm Center, ligado à Universidade da California-Davis, publicou um texto seguindo as recomendações do HACCP (USDFA/USDA, capturado em 27/12/00): 'medidas fáceis de serem adotadas pelos produtores agrícolas para prevenir a contaminação microbiológica dos alimentos'. As sugestões feitas podem ser úteis a agricultores orgânicos em qualquer localidade.
            Existe também a necessidade de a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo avançar na nova forma descentralizada e participativa de formular políticas. Pretende-se, através deste texto, testar a possibilidade de se formular políticas participativas utilizando os meios modernos de comunicação.
            Levando em consideração a necessidade de uma política estadual para evitar a contaminação microbiológica da água utilizada na produção agrícola em geral e orgânica em particular, e o interesse em testar a nova forma de construção da política estadual, apresentamos a seguir o texto publicado no Small Farm News de autoria de Shantana Goerge2, com base nas idéias de Trevor Suslow3. Essas idéias podem ser apresentadas como as diretrizes iniciais para os produtores orgânicos no Estado de São Paulo, estimulando-os a desenvolverem um modelo de gestão e manejo do solo e da água mais adequado.
            Estimulam-se técnicos e produtores, envolvidos com a questão, a sugerir aprimoramentos que possam vir a se constituir em orientações simples e exeqüíveis para os agricultores que sejam comprometidos em oferecer produtos de qualidade aos consumidores, seguindo a estratégia de formulação de política utilizada na 'Iniciativa de Segurança Alimentar ' do governo neo-liberal americano.
 

1. Melhores práticas para promover a segurança alimentar na produção orgânica: qualidade da água4

            Com a introdução da 'Iniciativa de Segurança Alimentar', em 1997, foi instituído o programa nacional 'da fazenda à mesa' . Este programa chamou atenção para como os agricultores podem ajudar na gestão dos riscos à segurança alimentar, em suas fazendas.
            Como os mercados de frutas e verduras cultivadas organicamente crescem, os agricultores orgânicos devem continuar a dar atenção à questão do risco de contaminação microbiológica, à segurança alimentar Os seguintes procedimentos no uso da água podem ajudar agricultores orgânicos a administrar e reduzir riscos de contaminação microbiológica:

  • Tenha certeza de que a água de alta qualidade seja usada para todas as operações onde esta tem contato com a parte comestível da planta.
  • Quando aumenta a possibilidade de a água estar em contato direto com os alimentos, ao longo das etapas do processo produtivo, torna-se mais provável que a contaminação da água seja transferida. Alguns produtores acham útil dividir as operações rurais em agrícolas e de pós-colheita. Isto ajuda a garantir a água de mais alta qualidade, para os últimos estágios da produção dos alimentos.
  • Tenha certeza de que a água de irrigação não contamine a produção. Enquanto padrões científicos para contaminação microbiológica da água agrícola não forem estabelecidos, regulações de estados americanos requerem que o uso da água aproveitada para irrigação não exceda a 2.2 coliformes por 100 ml. As diretrizes e normas da Organização Mundial da Saúde (WHO) especificam menos que 1.000 coliformes fecais por 100 ml. de água como limites aceitáveis. Recomenda-se que estes parametros sejam usados como guias/diretrizes até que um padrão melhor seja definido.
  • O contato entre a água de irrigação e partes de plantas comestíveis deve ser minimizado. Isto pode incluir gotejamento ou irrigação de sulco em vez de irrigação por aspersão. Se esta última tiver que ser usada, pelo menos o padrão 2.2 E por 100 ml deve ser seguido. Minimizar o contato entre planta e água, quando este não é necessário, atua como uma barreira de segurança contra a contaminação cruzada da água de irrigação (que é freqüentemente água reaproveitada ou de superfície ) com a produção.
  • Proteja a fonte de água. Fatores como sedimentos vindos da terra para o rio, enchentes e resíduos de animais podem causar contaminação no abastecimento/ fornecimento de água. Vertedouros e áreas de proteção podem ajudar a proteger a fonte de água das contaminações trazidas por escoamentos superficiais e enchentes. Criação animal perto das águas aumenta os riscos de comprometimento da qualidade da água devido aos altos volumes de produção de detritos animais. A contaminação da água por detritos de animais está, comprovadamente, associada com surtos de E.coli 0157:H7. O uso de cercas e portões pode prevenir os animais de chegarem perto desses lugares.
  • Mantenha e repare poços regularmente. Isto inclui coberturas e revestimentos bem inspecionados e reparados, quando necessário. Agricultores que dependem de poços para suas fontes de água devem fazer inspeções e ter suas águas testadas anualmente por um perito de qualidade de água.
  • O agricultor dever estar consciente ou informado das normas da sua certificadora para desinfetantes de água. A produção orgânica pode não permitir os mesmos níveis de cloro para limpeza dos equipamentos de irrigação e para o tratamento da água que agricultores convencionais usam. As normas da Califórnia Certified Organic Farmers, por exemplo, permitem um máximo de 50 partes por milhão de cloro em contato com a produção comestível. Elas também estipulam que o fluxo de água (jato de água) do equipamento de irrigação não pode conter mais do que 4 partes por milhão de cloro, o máximo para água potável. Cada agência de certificação orgânica tem suas próprias normas. Consulte sua certificadora para informações específicas.

2. Considerações finais

            A proposta de formulação de uma política descentralizada e participativa tem algumas vantagens e desvantagens sobre o modelo tradicional.
            O aspecto mais importante refere-se à adesão voluntária do produtor, o que reduz os custos da sua implantação simplesmente à divulgação das diretrizes, se isto for considerado necessário. Não há comprometimento de trabalho específico da extensão rural, ao promover as práticas recomendadas, e menos ainda de órgão de fiscalização. Por serem medidas facilmente exeqüíveis, conta-se com a adesão voluntária dos produtores e a difusão gradativa da proposta pela própria sociedade. A construção gradativa de um processo social para o atendimento da meta da política pode significar o reconhecimento de padrões abaixo dos tecnicamente recomendáveis, mas, por outro lado, deve garantir o cumprimento de medidas que melhorem o padrão atual. Não seria esta uma situação melhor para o consumidor do que simplesmente ter a garantia de definições legais de padrões técnicos de higidez dos alimentos não praticados no mercado?
            O principal aspecto negativo é a dependência do grau de resposta voluntária dos produtores. Alguns podem argumentar que a adoção de práticas recomendadas seria maior se fossem forçados a tomar medidas consideradas tecnicamente indispensáveis.
            Comentários e sugestões para o aprimoramento de propostas de política com este perfil, e particularmente para a proposta de regulamentação da qualidade da água utilizada na produção do alimento orgânico, são estimulados e podem ser encaminhados para a autora através do e-mail:
yacarvalho@iea.sp.gov.br.
 
 

1Existe, entretanto, outro uso do termo reconhecido internacionalmente. Segundo a FAO, o conceito de segurança alimentar enfatiza a garantia ao acesso físico e econômico aos alimentos básicos para todos os seres humanos de acordo com sua necessidade. São três os aspectos fundamentais  associados ao conceito: disponibilidade, estabilidade e acesso. O Comitê de Segurança Alimentar Mundial enfatiza, entretanto, um aspecto adicional: a vulnerabilidade. Define “Segurança Alimentar” como: “acesso material e econômico a alimentos suficientes para todos os membros do domicílio, sem correr riscos indevidos de perder este acesso (REDCAPA, capturado em 2/10/00).
2Pesquisador pós-graduado (redação)
3Especialista em extensão rural. Departamento de cultivos de hortaliças. Universidade da Califórnia-Davis.
4Texto traduzido, do Small Farm News, Small Farm Center-Cooperative Extension, University of Califórnia. V. 11, 2000. 12p,  por Paulo Roberto Brito (estudante de Economia da Universidade Mackenzie) sob a coordenação da autora. 
BIBLIOGRAFIA CITADA

Amaral, L. A Qualidade Higiênico-Sanitária e Teor de Nitrato em Amostras de Água de Dessedentação Animal e Humana em Propriedades Leiteiras Situadas na Região Nordeste do Estado de São Paulo. IN: A qualidade é um mito. Pesquisa FA{PESP n.50. Jan/fev. 2000.

REDCAPA. Manual de Segurança Alimentar: Segurança Alimentar, o marco conceitual. FILE://c/temp/redcapa/capacitação. (capturado em 02/10/0)

UNITED STATES FOOD and DRUG ADMINISTRATION/ UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE. United States Food Safety System. www.food.safety.gov/~fsg/fssyst2.html. (capturado em 27/12/00)
 


 

Data de Publicação: 27/04/2001

Autor(es): Yara Maria Chagas de Carvalho Consulte outros textos deste autor