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Mudanças climáticas: perdas de R$ 286 milhões em safras paulistas
O
processo de produção na agricultura está condicionado pelos ciclos biológicos,
que são fortemente influenciados pelas condições climáticas. Essa característica
faz com que o planejamento na agricultura deva considerar essa fonte potencial
de incerteza e risco. Figura 1. Postos representativos dos Pólos Regionais de
Desenvolvimento Tecnológico dos Agronegócios (PRDTA)
Condições favoráveis do tempo podem proporcionar maiores safras, ao passo que
efeitos desastrosos podem resultar de condições meteorológicas adversas. Tais
flutuações são importantes nas oscilações de oferta de produtos, com
conseqüências na formação dos preços e na renda dos produtores, podendo
comprometer o abastecimento interno e as exportações.
Enfim, condições climáticas extremamente desfavoráveis podem dar origem a choques na oferta de produtos e comprometer todo o conjunto da economia, fazendo com que as incertezas geradas pelas condições do tempo devam ser avaliadas na formulação de políticas e na tomada de decisão nas áreas privada e pública1. Normalmente, tenta-se minorar esses problemas com a
formação de estoques, recorrendo a importações e criando programas para
recuperar os setores atingidos.
O conhecimento dos impactos das condições do tempo sobre a produção agrícola,
que permite separar os efeitos do tempo de outros fatores determinantes da
produtividade, colabora na obtenção de previsões antecipadas e estimativas
confiáveis sobre o volume de produção agrícola e subsidia as decisões que devem
ser tomadas em resposta à ocorrência desses fenômenos.
Pesquisa em desenvolvimento no Instituto de Economia Agrícola (IEA)2 permite mensurar a influência de deficiências hídricas e de geadas sobre a produtividade agrícola agregada no estado de São Paulo, para o período de 1961 a 2002; simular níveis de produtividade sem adversidades climáticas (deficiências hídricas e geadas); e estimar as perdas de produção (valor da produção) decorrentes. Para isso, foram relacionadas séries de Produtividade Total de Fatores (PTF)3 e de
condições do tempo representadas por meio de interação entre suas medidas mais
usuais - temperatura, precipitação pluviométrica e o comprimento do dia
(latitude) -, de maneira a definir níveis de deficiências hídricas pelo cálculo
dos balanços hídricos seqüenciais.
Considerou-se uma capacidade de armazenamento de água pelo solo de 50mm e utilizaram-se dados de 16 postos representativos dos Pólos Regionais (figura 1). A ocorrência de geadas fortes e abrangentes, capazes de reduzir drasticamente a produtividade de lavouras sensíveis como o café, foi representada por meio de uma variável dummy que assume valor 1 em cada ano
posterior às geadas e zero, nos demais. Tendências com interceptos e inclinações
variando em cada década representaram o efeito de outros determinantes da PTF
não inseridos nos modelos.
Fonte: Elaborado pelos autores
Optou-se por medidas de produtividade (PTF) provenientes de índices superlativos, em razão de suas reconhecidas vantagens4. As deficiências hídricas, apontadas para
sub-períodos associados à época de plantio da maioria das culturas das águas e
de pleno desenvolvimento das culturas da seca, foram ponderadas pelo Valor da
Produção de cada um dos 16 Pólos Regionais. E para simular as perdas as
deficiências hídricas foram igualadas a zero.
Na tabela 1, são apresentados os valores médios e máximos para a PTF e a Deficiência Hídrica. Observa-se que as médias das deficiências hídricas, calculadas para a década de 19905, são superiores
às médias de toda a série, o mesmo ocorrendo para os máximos.
Tabela 1. Médias e Máximos da Produtividade Total de Fatores (PTF)(1) e deficiência hídrica (mm)(2)
Médias | | | |||||
Set-abr | Out-abr | Out-mar | Out-fev | Nov-mar | Nov-fev | ||
Série | 139,33 | 76,17 | 49,28 | 35,39 | 31,28 | 21,07 | 16,96 |
Déc.1960 | 95,41 | 84,75 | 48,40 | 30,40 | 26,02 | 22,74 | 18,35 |
Déc.1970 | 120,59 | 50,26 | 33,12 | 24,65 | 20,79 | 15,70 | 11,85 |
Déc.1980 | 148,69 | 65,96 | 39,02 | 33,01 | 31,25 | 14,70 | 12,94 |
Déc.1990 | 187,80 | 101,19 | 74,12 | 51,87 | 45,64 | 30,21 | 23,98 |
Máximos | PTF | Set-abr | Out-abr | Out-mar | Out-fev | Nov-mar | Nov-fev |
Série | 209,73 | 174,16 | 147,03 | 103,58 | 103,58 | 66,20 | 66,20 |
Déc.1960 | 105,92 | 171,26 | 104,24 | 73,32 | 60,30 | 45,99 | 35,66 |
Déc.1970 | 138,62 | 88,83 | 77,97 | 46,00 | 40,17 | 30,43 | 22,66 |
Déc.1980 | 164,77 | 138,83 | 95,48 | 87,90 | 87,11 | 29,81 | 24,10 |
Déc.1990 | 209,73 | 174,16 | 147,03 | 103,58 | 103,58 | 66,20 | 66,20 |
(2) em mm
Fonte: Resultados da pesquisa
Com
base nos coeficientes das melhores equações, procedeu-se ao cálculo das
elasticidades dos índices da PTF em relação às deficiências hídricas, que
apontou variações entre –0,016 e –0,070. Esse resultado indica perdas na
produtividade entre 3,2% e 14,2% para níveis de deficiências hídricas iguais aos
máximos de cada década.
Foram realizadas simulações das perdas em produtividade, considerando os
períodos setembro-abril; outubro-abril; outubro-março; outubro-fevereiro;
novembro-março; e novembro-fevereiro. Na tabela 2, são apresentados os
resultados.
Tabela 2. Simulações de Perdas de PTF devidas às Deficiências Hídricas(1)
Set-abr | Série | Déc. 1960 | Déc. 1970 | Déc. 1980 | Déc. 1990 |
Média | 4,5 | 5,6 | 2,2 | 3,3 | 6,6 |
Mínimo | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 2,9 |
Máximo | 13,8 | 13,6 | 7,0 | 10,0 | 13,8 |
Anos s/perdas | 7 | 2 | 3 | 2 | 0 |
Out-abr | Série | Déc. 1960 | Déc. 1970 | Déc. 1980 | Déc. 1990 |
Média | 3,6 | 3,8 | 1,7 | 2,5 | 6,2 |
Mínimo | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 1,7 |
Máximo | 14,8 | 10,5 | 7,9 | 7,7 | 14,8 |
Anos s/perdas | 7 | 2 | 3 | 2 | 0 |
Out-mar | Série | Déc. 1960 | Déc. 1970 | Déc. 1980 | Déc. 1990 |
Média | 2,3 | 2,4 | 0,9 | 2,1 | 3,5 |
Mínimo | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,1 |
Máximo | 10,4 | 7,3 | 4,4 | 7,2 | 10,4 |
Anos s/perdas | 10 | 3 | 5 | 2 | 0 |
Out-fev | Série | Déc. 1960 | Déc. 1970 | Déc. 1980 | Déc. 1990 |
Média | 1,9 | 1,9 | 0,7 | 1,9 | 2,9 |
Mínimo | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Máximo | 9,8 | 5,7 | 3,8 | 6,8 | 9,8 |
Anos s/perdas | 16 | 4 | 6 | 2 | 4 |
Nov-mar | Série | Déc. 1960 | Déc. 1970 | Déc. 1980 | Déc. 1990 |
Média | 2,3 | 3,1 | 1,0 | 1,5 | 3,6 |
Mínimo | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Máximo | 10,7 | 7,9 | 5,3 | 5,2 | 10,7 |
Anos s/perdas | 11 | 2 | 4 | 3 | 2 |
Nov-fev | Série | Déc. 1960 | Déc. 1970 | Déc. 1980 | Déc. 1990 |
Média | 2,0 | 2,6 | 0,7 | 1,5 | 3,1 |
Mínimo | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Máximo | 10,8 | 6,6 | 3,8 | 4,5 | 10,8 |
Anos s/perdas | 15 | 3 | 5 | 3 | 4 |
Fonte: Resultados de Pesquisa
Os
níveis de deficiências hídricas apresentaram tendências crescentes no período
analisado, com coeficientes negativos e significativos nos modelos explicativos
da PTF, o mesmo ocorrendo para geada. Nas simulações de perdas, a década de 1990
sempre apresentou os maiores índices, considerando os vários sub-períodos
compostos pelos meses do ano em que as adversidades climáticas podem influenciar
mais o ciclo de desenvolvimento biológico da maioria das culturas produzidas em
São Paulo.
O resultados das simulações indicam que as médias de perdas ficaram entre 1,9% e 4,5% na produtividade total de fatores da produção e as perdas máximas situaram-se entre 9,8% e 14,8%. As perdas com geadas ocorreram entre 5,6 e 8,4 pontos percentuais de PTF, no ano subseqüente à sua ocorrência6.
Nos anos agrícolas 1994/95 a 2001/02, as médias das perdas de valor da produção de lavouras foram estimadas entre 1,0% e 9,8%, o que, em valores, significa entre R$72,7 e R$944,4 milhões, com média geral de R$ 286 milhões, para valores de 2004, conforme a tabela 37.
Tabela 3. Perdas de Valor da Produção devidas às Deficiências Hídricas
agrícola | | ||
| | | |
1994/95 | 85,2 | 0,0 | 297,7 |
1995/96 | 161,5 | 51,5 | 302,5 |
1996/97 | 73,2 | 0,0 | 193,1 |
1997/98 | 72,7 | 0,0 | 214,6 |
1998/99 | 82,0 | 0,0 | 238,9 |
1999/00 | 944,0 | 524,3 | 1.432,2 |
2000/01 | 434,9 | 126,9 | 782,9 |
2001/02 | 431,2 | 9,1 | 907,0 |
Média | 285,6 | 99,3 | 546,1 |
Esses resultados preliminares confirmam a importância das deficiências hídricas e das geadas nos índices de produtividade agrícola. Também indicam que certas culturas, de maior importância econômica, merecem ser estudadas separadamente, com a definição específica dos períodos críticos em relação às condições do clima e das variações do tempo, seleção adequada de postos conforme sua localização e inclusão de outras variáveis, de maneira a subsidiar análises da produtividade das lavouras.8
________________________
1SILVA, G.L.S.P., VICENTE, J. R., CASER, D. V., Efeitos das Condições do Tempo sobre a produtividade Agrícola no Estado de São Paulo. Revista Economia Rural, Brasília, 23(1):3-19, jan./mar., 1985.
2Impactos dos Investimentos em Pesquisa sobre a
Produtividade Total de Fatores no Estado de São Paulo, 1960-2003. Pesquisa
cadastrada no SIGA sob o NRP 1719. Os resultados preliminares foram apresentados
em palestra no Fórum Permanente dos Agronegócios 2005 – Mudanças Climáticas, 28
de abril de 2005, na Unicamp, Campinas – SP.
3Considera a produtividade conjunta dos mais
importantes fatores de produção, geralmente terra, trabalho, fertilizantes,
máquinas e defensivos.
4A PTF teve como fonte os seguintes trabalhos: SILVA, G.L.S.P.; CARMO, H.C.E. Como medir a produtividade agrícola: conceitos, métodos e aplicações no caso de São Paulo. Agricultura em São Paulo, v. 33, n.1/2, p. 139-170, 1986; Araújo, P.F.C. et al. O Crescimento da agricultura paulista e as instituições de ensino, pesquisa e extensão numa perspectiva de longo prazo. São Paulo: FAPESP, dez. 2002 e; VICENTE, J.R.; MARTINS, R. Produtividade, eficiência econômica e relações de troca da agricultura paulista, 1995-2002. Informações Econômica, v. 34, n.1, p. 66-75, jan. 2004.
5Os anos de 2001/2002 foram considerados na década de
1990.
6 As geadas
ocorridas nos anos de 1994 e 2000 representaram, segundo os resultados dos
modelos, perdas de Valor da Produção de R$ 416,8 e de R$ 444,1, respectivamente.
7Pressupondo-se perdas
distribuídas de forma mais ou menos similar à média da série, e sem alterações
sensíveis nos preços dos produtos, o que é mais razoável em uma economia aberta
(déc. de 1990 em diante), devido à possibilidade de importações e exportações.
Destaca-se que existem anos com perdas muito significativas devidas às
deficiências hídricas, como 1999/00 e 2000/01.
8Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-56/2005
Data de Publicação: 28/06/2005
Autor(es):
Renata Martins (rmsampaio@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
José Roberto Vicente (jrvicente@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor