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Real apreciado, câmbio flutuante e agronegócios
O
acompanhamento dos preços dos produtos da agricultura numa economia aberta, onde
se pratica o câmbio flutuante, pressupõe que os agentes econômicos –
principalmente para preços formados no mercado internacional - realizem, ainda
que mentalmente, a conversão para moeda nacional, a fim de dar consistência aos
seus cálculos capitalistas de maneira que possam ser efetivadas inferências
sobre os movimentos dos preços internos. As argumentações mais gerais lastreadas
em moeda norte-americana são relevantes para visualizar os movimentos desses
mercados, porque destacam as tendências dessas variáveis no seu lócus formador,
o mercado internacional. Tabela 1. Variação das cotações das commodities nos diferentes mercados, segunda posição,
expressas em moeda norte-americana e em moeda brasileira, no primeiro
quadrimestre de 2005 e nos últimos doze meses Na agricultura brasileira, os preços na safra 2004/05 de grãos e fibras refletem a realidade macroeconômica em que ela vem sendo colhida. De um lado, em relação ao passado recente, a apreciação da moeda nacional acumula, em valores constantes, 7,59% no primeiro quadrimestre de 2005 e 22,64% nos últimos doze meses2. De outro, os juros sobem por decisão governamental
que elevou a taxa básica de 16% ao ano em maio de 2004 para 19,75% ao ano em
maio de 2005.
Entretanto, não existe hedge natural para as cotações do dólar, dado que o câmbio flutuante representa a política vigente no Brasil desde janeiro de 1999. Com isso, torna-se relevante a tradução dos preços para a mesma base, para uma consistente aderência das comparações das tendências entre os preços internacionais e os preços nacionais de dada commodity. É que o movimento do câmbio, pela elevada
amplitude de variação no curto prazo (menos de um ano) tal como se mostra no
período recente, pode produzir tendências, magnitudes e sinais de variação
distintos para a mesma cotação quando expressa em moeda norte-americana (US$) e
moeda nacional (R$).
É preciso ter claro que entre os dois mercados – internacional e nacional -
ainda existe um Estado Nacional com moeda e Banco Central próprios. Assim, ao se
adotar o câmbio flutuante, configura-se um mercado de moeda estrangeira, cuja
cotação não apresenta o atributo da neutralidade.
A configuração de realidades distintas revela-se quando se compara, para as diferentes mercadorias, as cotações anotadas nas bolsas de mercadorias com as cotações convertidas. Ao definir a variação no primeiro quadrimestre de 2005 como de curto prazo, nota-se que, em moeda norte-americana, duas commodities apresentam preços com evoluções negativas
(-5,24% e –5,31%), enquanto outras oito mostram desempenho positivo (+3,08% a
+34,17%). Em moeda brasileira, o quadro se mostra diferente, com evolução
acumulada negativa para cinco produtos (-2,45% a -12,49%) e resultados positivos
para outros cinco (+5,53% a +23,99%) (tabela 1).
Num prazo mais largo, com base nos últimos doze meses, em moeda norte-americana, há cinco produtos com performance negativa (-5,79% a -36,07%) e os demais 5 com evolução positiva (+8,12% a +70,69%). Já em moeda brasileira, são sete commodities com percentagem negativa (-3,87% a -50,54%)
e três positivas (+8,82% a +32,06%) (tabela 1).
Em linhas gerais, há nítida alteração de tendência quando tomadas as cotações em
moeda norte-americana e moeda brasileira, dependendo da magnitude da variação
cambial no período . O cálculo capitalista para a tomada de decisão por parte
dos agentes econômicos internos à agricultura brasileira está determinado pela
cotação convertida em moeda nacional que é a única comparável com os demais
indicadores de produção que dessa maneira estão expressos.
A informação em moeda norte-americana tem fundamental utilidade na visualização dos movimentos mais gerais do mercado mundial, pois permite verificar as tendências neles observadas e formar expectativas. No contexto microeconômico, porém, onde se dão as decisões de
produção, os desempenhos e as tendências mais consistentes serão aqueles
verificados em moeda brasileira, comparável com os preços dos agromercados
nacionais, levando em conta o mercado cambial que de forma alguma se configura
como neutro nos distintos espaços nacionais com moeda conversível. Daí que os
efeitos internos na tendência da renda derivam diretamente dessa conversão, que
representa a condição objetiva vivida pelo agropecuarista no plano
microeconômico.
(1). Variação nominal, no primeiro quadrimestre de 2005 e nos últimos doze meses (maio de 2004 a abril de 2005) da cotação das Bolsas expressa em moeda norte-americana, publicada em MARTIN (2005)1. Commodities Mercado Cotações em Dólar(1) Cotações em Real (2) Açúcar NY Algodão NY Café Arábica NY Café Robusta Lo Suco de Laranja CC NY Soja em Grão CHT Milho CHT Trigo CHT Borracha SM 20 Malásia Boi BM&F
(2). Variação no primeiro
quadrimestre de 2005 e nos últimos doze meses da mesma cotação das Bolsas
expressa em moeda brasileira, referindo-se a valores de abril de 2005
deflacionados pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) da Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
A compreensão dos impactos desses fatos representa elemento fundamental para o
entendimento da conjuntura da economia nacional e dos agromercados. As taxas de
câmbio e de juros mostram tendências inversas, decorrentes da necessidade de
cumprir o regime de metas de inflação, fruto da decisão do Governo que age
pressionado pela elevação dos dispêndios correntes no passado a taxas superiores
ás do produto nacional, em especial no segundo semestre de 2004.
Isto porque 'quando os gastos privados abrem espaço para os gastos dos governo, não há pressão inflacionária advinda de dispêndios acima do produto potencial. A redução dos gastos privados se obtêm através do aumento da taxa de juros, e um aumento de gastos públicos aumenta a taxa de juros e aprecia o câmbio'3. Isto em função de que não
apenas os juros muito altos atraem capital externo que eleva artificialmente a
taxa de câmbio, como também a autoridade monetária - presa pelos dispêndios
públicos exacerbados e acima da meta - não tem instrumento para enxugar o
excesso de liquidez interna da moeda norte-americana, ficando impotente frente
aos movimentos do câmbio.
A autoridade monetária mira a meta de inflação e atira juros ao alto e reafirma a redundância de que 'o câmbio flutuante flutua', sem
assumir que a indicação da ladeira adveio não de resultante do mercado, mas de
resultante viesada pela política de juros, que por sua vez adveio de decisões de
gastos públicos adicionais sem lastro na proporcionalidade de incremento do
produto nacional. Logo, o câmbio flutuante não flutua, mas foi impelido a
flutuar.
Os juros altos, porém, são tão danosos quanto o câmbio nos seus efeitos sobre os preços das commodities da agricultura em plena safra, cujos empreendedores são tomadores de preços e não praticam de forma generalizada operações de proteção da renda (hedge de preços das mercadorias e de câmbio). Exemplos são a soja e o algodão (gráficos 1 e 2)4, cujas curvas de câmbio e dos preços em
moeda norte-americana se colam até fins de 1997 e se descolam de fins de 1997
até janeiro de 1999, com preços cadentes (em moeda norte-americana e moeda
brasileira).
Isto reflete uma realidade típica de hedge natural pela administração do câmbio que não interferia na tendência dos preços, visto a estabilidade do câmbio com as desvalorizações da moeda brasileira acompanhado a inflação. Nessa realidade de câmbio neutro, os preços internacionais para commodities globais acabam tendo comportamentos
similares aos preços internos. A mudança para o regime de câmbio flutuante teve
o efeito de propiciar níveis mais estimuladores das cotações convertidas em
moeda nacional.
Da ótica do comportamento das commodities brasileiras, é
interessante a comparação entre os preços da soja em grão e do algodão em pluma
em função dos efeitos das mudanças no câmbio. Tanto para a soja quanto para o
algodão, num primeiro momento (até fevereiro de 2001), a desvalorização cambial
de janeiro de 1999 significou, em moeda nacional, a recomposição do patamar de
preços do período anterior, fato demonstrado pelo comportamento dos preços em
moeda nacional em torno da base. A variação cambial para cima, ocorrida em 2001,
estimula a soja (cujas cotações em dólar variam pouco), mas não tem o mesmo
efeito para o algodão (cujas cotações em dólar caem mais que proporcionalmente à
alta do câmbio).
A taxa de câmbio em maio de 2002 voltou ao patamar da fase imediatamente
posterior a janeiro de 1999. Do segundo semestre de 2002 até fevereiro de 2003,
ocorre uma conjuntura de elevação concomitante tanto do câmbio quanto das
cotações internacionais, refletindo-se em estímulos mais que proporcionais nos
preços expressos em moeda nacional.
De março de 2003 a junho de 2004, o câmbio se manteve, mas em patamar superior
ao vigente entre janeiro de 1999 e fevereiro de 2001, o que enseja estímulo
adicional a preços internacionais postados em níveis elevados. Desde então, a
queda dos preços internacionais deu-se na mesma tendência da apreciação do real,
que, contudo, até abril de 2005, em valores constantes, apenas voltou a uma
posição pouco abaixo do patamar de janeiro de 1999 a fevereiro de 2001 (gráficos
1 e 2).
Se o câmbio em abril de 2005 voltou ao patamar vigente no período imediatamente posterior à mudança cambial, qual a explicação para os impactos negativos da apreciação da moeda nacional desde junho de 2004?. A resposta está no fato de que, de maio de 2002 a junho de 2004, por mais de dois anos, as exportações brasileiras cresceram significativamente5 graças ao estímulo do câmbio – taxas elevadas mas voláteis de maio de 2002 a fevereiro de 2003 e manutenção em patamar elevado de março de 2003 a junho de 2004 - e à conjuntura internacional favorável. Nesses dois anos, as vendas externas brasileiras crescem menos que as importações mundiais6.
Nesse período, estabeleceu-se o novo piso da taxa de câmbio - e mais alto -
capaz de sustentar a expansão das exportações brasileiras, estimulando as
empresas nacionais a investir para aproveitar as condições favoráveis do
comércio externo. A apreciação recente, desse modo, quebra as expectativas de
expansão para produtos em geral, levando no início de 2005 a recuos nos
investimentos em modernização e ampliação da capacidade de produção com vistas
às exportações.
Entretanto, a apreciação do câmbio não explica sozinha a magnitude da crise vivida na safra 2004/05 pelas commodities da agricultura submetidas a preços internacionais inferiores aos da safra passada. A taxa de juros elevada aprofunda a pressão baixista numa realidade de agricultores tomadores de preços, dados os custos de carregar estoques num setor de oferta com sazonalidade marcante. Isto inibe os compradores na aquisição de matérias-primas (operam próximos do just in time com
estoques dimensionados para reduzir ao mínimo a necessidade de capital de giro).
O vencimento de compromissos, que gera a necessidade de venda por parte dos agricultores (reduzida parcela da safra 2004/05 tem venda antecipada), leva à queda mais que proporcional dos preços e até mesmo dificuldade em encontrar compradores. Além disso, a apreciação cambial produziu um descompasso entre preços e custos, dado que os custos dos insumos foram influenciados pelo patamar mais alto do câmbio na
metade do ano passado, enquanto os preços refletem o câmbio apreciado do início
deste ano.
Numa realidade de câmbio flutuante, também os juros têm papel crucial em produções de sazonalidade exacerbada, dada a influência mútua sobre os preços. A preocupação consiste em que a conjuntura não contamine a estrutura, uma vez que a maioria dos agricultores brasileiros não faz hedge
de câmbio nem realiza proporção adequada de vendas antecipadas mediante
operações para gerenciamento de risco na Bolsa de Mercadorias & Futuros
(BM&F).
Mais uma vez, fica a lição de que a superioridade produtiva não necessariamente
significa superioridade econômica, tão propalada pela agricultura brasileira em
relação à norte-americana na euforia das últimas safras em conjuntura de câmbio
e juros mais favoráveis. No capitalismo moderno, onde prepondera a lógica
financeira, a produção tem de ter alicerce na instituição, sem o que, nas
crises, os agricultores tenham de compreender de forma dramática que, no mundo
contemporâneo, o respeito aos contratos numa safra garante os contratos na safra
seguinte. E que também é pelo tamanho das Bolsas que se mede o tamanho dos
bolsos.
__________________________
1Para análise consistente da ótica da evolução das cotações das commodities dos agronegócios nas principais bolsas mundiais, ver MARTIN, Nelson Batista Commodities: mercados com alta volatilidade (http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=2056),
disponibilizado em 07/04/2005.
2 Para uma comparação do impacto da mudança da
política cambial brasileira nas exportações nacionais, basta lembrar que, a
preços constantes de dezembro de 2004, o câmbio em dezembro de 1998 era de R$
1,98/US$. Seu pico foi atingido em janeiro de 2003, com R$ 4,06/US$, e em abril
de 2005, mesmo após significativa apreciação da moeda nacional, ficou na média
de R$ 2,51/US$, nível similar à realidade de janeiro de 1999, primeiro mês da
mudança para câmbio flutuante.
3 Argumentação desenvolvida em CARDOSO, Eliana. O rei
Midas. Jornal O Valor Econômico de 19 de maio de 2005.
4 Os preços utilizados
representam cotações da soja em grão na Bolsa de Chicago e de algodão em pluma
na Bolsa de Nova York, sendo médias mensais do 2° vencimento de contrato futuro.
A conversão em moeda nacional foi realizada com base na cotação mensal do dólar
obtida a partir de média das cotações diárias de compra e venda publicadas pelo
Banco Central. Para comparação no tempo, deflacionou-se essa média do dólar pelo
Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) da Fundação Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE).
5 No ano de 1998 (janeiro a dezembro), as exportações brasileiras somaram US$ 51,15 bilhões, com saldo comercial negativo de US$ 6,61 bilhões. Os agronegócios tiveram saldo positivo de US$ 11,10 bilhões, impedindo um déficit muito maior. Desde a mudança do regime
cambial em janeiro de 1999, levando à significativa desvalorização da moeda
brasileira, as exportações mais que duplicaram e os saldos foram crescentemente
positivos em função também da queda significativa das importações de US$ 57,76
bilhões no ano de 1998 (janeiro a dezembro) e de US$ 46,40 bilhões nos doze
meses de setembro de 2002 a agosto de 2003. A partir daí, reverte-se a tendência
para o crescimento, até o montante de US$ 66,31 bilhões nos últimos doze meses
(maio de 2004 a abril de 2005). A balança comercial brasileira nos últimos doze
meses (maio de 2004 a abril de 2005), além de alcançar a cifra recorde de US$
104,09 bilhões em exportações, obteve saldo positivo de US$ 37,78 bilhões, para
o qual os agronegócios contribuíram com US$ 32,99 bilhões e os demais setores
com US$ 4,79 bilhões.
6 Uma visão da evolução recente das exportações brasileiras pode ser
encontrada em JÓIA, Sonia. O Brasil na rota do mundo. Rumos 29(220):28-35, Rio
de Janeiro, ABDE. Março-abril de 2005.
Data de Publicação: 13/06/2005
Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor