Câmbio em queda: efeitos nas exportações brasileiras

            As médias diárias da exportação brasileira (valor mensal exportado dividido pelos dias de efetivo funcionamento do câmbio), expressas em moeda norte-americana, crescem desde maio de 2004, mesmo na presença de apreciação crescente da moeda brasileira1. As vendas externas totais saltam de US$ 329,47 milhões/dia em abril de 2004 para US$ 406,07 milhões/dia em abril de 2005, ultrapassando sucessivos recordes.
            As vendas dos agronegócios partem de US$ 151,68 milhões/dia e, após atingir o pico de seu padrão sazonal com US$ 219,01 milhões/dia em junho de 2004, recuam para o piso de US$ 130.21 milhões/dia em janeiro de 2005, quando retomam seu novo ciclo sazonal ascendente de cada ano para alcançar US$ 184,19 milhões/dia em abril. Os demais setores da economia apresentam desempenho mais consistente, evoluindo de US$ 177,79 milhões/dia para US$ 275,88 milhões/dia (gráfico 1).

Fonte: IEA/APTA (dados básicos da SECEX/MDIC)

            Os resultados da balança comercial decorrem, ainda que numa tendência desfavorável do câmbio, do consistente avanço das exportações dos demais setores, desde o primeiro trimestre de 2004, e do fato de que os agronegócios ainda mostram, no primeiro quadriênio de 2005, performance superior à verificada em 2004.
            As exportações brasileiras, da ótica da agregação de valor, mostram o significativo incremento das vendas dos manufaturados, que evoluíram de US$ 141,60 milhões/dia em janeiro de 2004 para US$ 248,69 milhões em abril de 2005, enquanto os produtos básicos, concentrados nos agronegócios, mantêm comportamento com características sazonais definidas. Esses produtos básicos partem de US$ 82,85 milhões/dia em janeiro de 2004, atingem o pico de US$ 160,97 milhões em junho de 2004 e passam à tendência de queda para alcançar US$ 84,27 milhões/dia em janeiro de 2005. Desde então, inicia-se um novo período de aumento com US$ 141,65 milhões (gráfico 2).

Fonte: IEA/APTA (dados básicos da SECEX/MDIC).

            Esse avanço das exportações de manufaturados, que ganharam maior expressão proporcional nas vendas externas brasileiras, alterou o perfil dos negócios, garantindo maior estabilidade de curto prazo no desempenho comercial nacional.
            As exportações dos negócios da agricultura apresentam perfil de agregação de valor, no qual prevalecem os produtos básicos representados pelas commodities dos agronegócios, cujas vendas externas se mostram mais sensíveis aos ajustes de mercado do curto prazo e ao comportamento sazonal típico, com crescimento das médias diárias dos meses do primeiro semestre e queda no segundo semestre de cada ano.
            Em janeiro de 2004, as exportações de produtos básicos da agricultura somaram US$ 48,60 milhões/dia, valor que cresceu para US$ 124,44 milhões/dia em junho do mesmo ano. Desde então, apresentaram a característica queda sazonal para atingir US$ 53,09 milhões/dia em janeiro de 2005. Nos primeiros quatro meses de 2005, mostram sua fase de crescimento ao atingir US$ 93,76 milhões/dia em abril. Os produtos manufaturados dos agronegócios mostram desempenho menos contundente de crescimento, com evolução de patamar próximo dos US$ 40 milhões/dia (US$ 42,43 milhões/dia em janeiro de 2004) para apresentar, nos últimos meses, níveis estáveis pouco superiores a US$ 60 milhões/dia (US$ 61,64 milhões/dia em abril de 2005) (gráfico 3).

Fonte: IEA/APTA (dados básicos da SECEX/MDIC).

            Esse comportamento menos consistente dos agronegócios em termos de agregação de valor, quando cotejado com o conjunto das exportações brasileiras, torna-se estratégico para se visualizar desempenhos futuros, quando se adiciona o fato de que são exatamente os agronegócios os responsáveis pela maior expressão dos saldos comerciais brasileiros2.
            Esse desempenho recente do comércio exterior brasileiro explica-se por duas razões fundamentais: a) a mudança da política cambial realizada em janeiro de 1999 destravou a competitividade da economia brasileira ao aumentar de forma decisiva a competitividade externa da produção nacional, impulsionando o movimento exportador3; b) o Brasil beneficiou-se, nos últimos dois anos, de condições muito favoráveis de expansão do comércio internacional, estando longe de ser um player uma vez que a participação das exportações brasileiras nas importações mundiais se mostra menor nos últimos dois anos (0,66% em 2003 e 0,72% em 2004) do que nos três anos anteriores (0,89% em 2000, 0,92% em 2001 e 0,75% em 2002)4.
            Nos últimos dois anos, as exportações brasileiras deram grande salto, aproveitando a conjuntura internacional favorável, sustentadas pelas condições oferecidas pela política cambial executada a partir da decisão governamental de janeiro de 1999. Entretanto, esse crescimento deu-se num ritmo inferior ao desejado pois as vendas de produtos brasileiros no exterior cresceram em ritmo menor que as dos demais países, fato evidenciado na diminuição da importância das exportações brasileiras nas importações mundiais.
            O eqüacionamento da problemática cambial constitui-se em elemento crucial para a balança comercial brasileira como um todo. E para a agricultura – responsável pela parcela preponderante dos saldos comerciais nacionais - converte-se em determinante da capacidade setorial de manutenção do dinamismo de expansão produtiva com alto grau de modernização. Para tanto, basta lembrar que o efeito não é neutro entre distintas estruturas de mercado e diferenciados processos de formação de preços.
            Na própria agricultura, quanto às estruturas de mercado, há de diferenciar, por exemplo, commodities como soja e milho de outros produtos como a carne avícola. Ao afetar os preços da soja e do milho para baixo, o câmbio acaba por baratear justamente os insumos usados nas granjas avícolas, uma vez que os agricultores são tomadores de preços numa realidade de muito baixa adoção do gerenciamento de riscos com hedge em Bolsas, quando comparado com a realidade norte-americana.
            Além disso, preços mais baixos de matérias-primas têm efeitos regionais desequilibrados dentre as unidades da federação brasileira. Regiões onde se produz milho e soja mostram-se distintas daquelas onde se concentram as granjas de suínos e aves. Também as colheitas de algodão em pluma se dão em espaços territoriais distintos donde estão as agroindústrias têxteis.
            Assim, o câmbio não se mostra neutro entre agentes integrantes de diferentes elos das cadeias de produção da agricultura nem tampouco entre as diversas regiões produtoras, gerando enormes assimetrias numa agricultura onde a adesão à economia de contratos e ao gerenciamento de riscos de preços em Bolsas se revela muito incipiente.
            Mais ainda, sem contratos as possibilidades de adequadas medidas compensatórias para superar o momento mais agudo da crise se mostram estreitas. Se não bastasse pelas dificuldades fiscais do Governo Federal, pelo fato de que os recursos do crédito oficial cobrem em torno de um quarto do volume aplicado no custeio da safra e de que não existe mecanismo consistente e generalizado de seguro rural para indenizar os afetados pela seca. Noutras palavras, há poucas possibilidades instrumentais de gerenciar de forma adequada a atual crise conjuntural da agricultura.
            A preocupação fundamental, porém, diz respeito à sustentabilidade do desempenho comercial brasileiro no médio prazo pelos efeitos diretos e combinados das políticas cambial e de juros. E essa performance se mostra essencial para o desenvolvimento nacional na medida em que as exportações brasileiras, que no tempo próximo passado representavam de 7% a 8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, têm relevância crescente nos últimos anos (11,4% em 2001, 13,1% em 2002, 14,8% em 2003 3 16,0% em 2004)4. Ou seja, tiveram papel definidor na concretização das ainda que reduzidas taxas de crescimento do produto nacional nos anos recentes. A preocupação deriva da própria composição da pauta de exportações, cujo crescimento vem sendo sustentado pela maior proporção de produtos manufaturados.
            Diferentemente das commodities, os manufaturados não são afetados na primeira hora pela apreciação da moeda nacional, por terem suas vendas realizadas mediante contratos de prazo mais largo (dois a três anos). Em abril de 2005, foram cumpridos contratos firmados em dólar em condições muito mais favoráveis, além do fato de que algum repasse aos preços pode ser possível, ainda que com limites.
            Assim, os efeitos do câmbio nas exportações se darão com maior defasagem temporal, dada a trajetória de continuidade de cumprimento de contratos por parte das indústrias de manufaturados. Entretanto, as condições de renovação desses contratos serão muito mais difíceis – no limite do suportável de redução das margens para manter preços competitivos e atraentes em moeda nacional. Se houver perdas de contratos e de clientes, a possibilidade de recuperação também será menor e sujeita a um tempo de espera relativo à vigência dos contratos firmados com empresas de países concorrentes.
            Para os manufaturados, o indicador mais consistente dos efeitos do câmbio diz respeito às decisões de investimento tanto em modernização da estrutura produtiva como de aumento da capacidade de produção. Isso porque o câmbio entra no cálculo capitalista como elemento fundamental na formação das expectativas. Tanto assim que a resposta desse segmento à mudança cambial, em forma de crescimento expressivo das exportações, deu-se a partir de 2002, quando maturaram as estratégias de captação de contratos externos e de aprimoramento (e mesmo expansão) da estrutura produtiva ensejadas desde a adoção do regime de câmbio flutuante, pelo menos dois anos antes.
            E as indicações das decisões de investimento já estão sendo afetadas pelo câmbio em função das mudanças de preços relativos que a apreciação da moeda nacional introduz na economia, ao tornar incerto o longo prazo. Com isso, projetos voltados para a exportação estão sendo revistos ou postergados, limitando os horizontes de crescimento das exportações de manufaturados no futuro5.
            Ademais, a manutenção da apreciação do real produz aumento das importações que, se pode ajudar na queda dos preços internos, tem impactos negativos no emprego e na renda nacional, acirrando os efeitos da perda de fôlego das exportações. Enfim, dada a realidade cambial atual, os indicadores conformam perspectivas de impactos relevantes no comércio exterior que conduzem à queda no ritmo de expansão das exportações, além da perda de dinamismo interno da economia brasileira cujo crescimento da riqueza vinha tendo relevante contribuição das vendas externas.6

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1 Nos gráficos 1 a 3, os indicadores da moeda norte-americana expressam o valor mensal médio em moeda brasileira do montante fixo de US$ 100 mil, para permitir melhor visualização gráfica da tendência do câmbio vis a vis os indicadores de comércio exterior. O valor em moeda brasileira do câmbio reflete preços constantes médios de dezembro de 2004 deflacionados pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE).
2O desempenho da balança comercial brasileira nos últimos doze meses (maio de 2004 a abril de 2005), além de alcançar a cifra recorde de US$ 104,09 bilhões em exportações, mostrou um saldo comercial positivo em US$ 37,78 bilhões, para o qual os agronegócios contribuíram com US$ 32,99 bilhões e os demais setores com US$ 4,79 bilhões.
3Para uma comparação do impacto da mudança da política cambial brasileira nas exportações nacionais, basta lembrar que, a preços constantes de dezembro de 2004, o câmbio em dezembro de 1998 era de R$ 1,98/US$, tendo atingido seu pico em janeiro de 2003 com R$ 4,06/US$. Em abril de 2005, mesmo após significativa apreciação da moeda nacional, ficou na média de R$ 2,51/US$, nível similar à realidade de janeiro de 1999. Noutras palavras, em abril de 2005, o nível do câmbio correspondia à realidade do primeiro mês da mudança da política cambial.
4Interessante repercussão da evolução recente das exportações brasileiras pode ser vista em JÓIA, Sonia. O Brasil na rota do mundo. Rumos 29(220):28-35, Rio de Janeiro, ABDE, março-abril de 2005.
5A queda do investimento nos meses recentes corresponde a uma evidência detectada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), conforma entrevista do Diretor de Planejamento dessa instituição estatal de investimento publicada em DURÃO, Vera Saavedra Câmbio já afeta investimento, alerta Barros de Castro. Jornal O Valor Econômico, de 16 de maio de 2005.Também o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra que a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) sofreu desaceleração forte no primeiro trimestre de 2005, conforme matéria de DURÃO, Vera Saavedra Investimento fixo caiu 2,2%, aponta IPEA.. Jornal O Valor Econômico, de 17 de maio de 2005. As quedas das vendas de bens de capital da agricultura, de até 50% nas últimas feiras de inovações tecnológicas - as Agrishows -,
após significativos incrementos dos últimos anos, revelando expectativas de redução do investimento derivadas dos preços desestimuladores, está interiorizada nos agronegócios brasileiros.
6 Artigo registro no CCTC-IEA sob número HP-38/2005.

Data de Publicação: 01/06/2005

Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor