Algodão: oferta elevada e queda nos preços em 2004/05

             Com produção recorde estimada em 25,98 milhões de toneladas em pluma, em 2004/05, o mercado mundial de algodão defronta-se, mais uma vez, com nível de oferta bastante acima da demanda. A oferta - estoque inicial mais produção - deve totalizar 34,11 milhões de toneladas, 16,3% maior que a da safra passada, enquanto o consumo deve ser de 23,51 milhões de toneladas (mais 9,5%), conforme o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)1 (tabela 1).

            Esse quadro, que caracterizou o balanço de oferta e demanda da fibra nos últimos anos, ganha maior relevância na atual temporada, uma vez que o excedente (10,6 milhões de toneladas) deve equivaler a 31% da quantidade ofertada, contra 26,7% em 2003/04 e 28,7% em 2002/03. Nesse contexto, espera-se que o estoque final deva ser 31,4% maior, bem como consistir no mais elevado das três ultimas safras.
            Dentre as nações grandes produtoras, todas devem apresentar expressivo aumento na produção de algodão, com destaque para o Paquistão, com 45,8%. Por sua vez, na principal demandante, a China, o acréscimo de 30% na quantidade produzida conduz à retração de 9,4% nas suas aquisições externas, o que contribui para o arrefecimento do comércio mundial.
            Esse cenário refletiu na evolução dos preços, cujo patamar ao final de 2004 se equiparou ao registrado em 2002, quando as cotações da pluma registraram queda sem precedentes. A par da ligeira recuperação nos primeiros cincos meses de 2005, não há perspectiva de retomada dos níveis vigentes na temporada passada. O preço médio praticado em maio do corrente encontra-se 19% abaixo do observado há um ano (figura 1). Acrescenta-se que a essas condições dos preços internacionais soma-se a apreciação do real em relação ao dólar, de cerca de 22% no mesmo período, acarretando em comprometimento ainda maior das receitas provenientes das exportações brasileiras de algodão.

Figura 1 – Cotações internacionais de algodão em pluma, Norte da Europa, agosto de 2002 a maio de 2005

Fonte: Elaborada a partir de dados de Cotlook, Ltd., divulgados em Cotton: World Markets and Trade1.

            Tanto o USDA quanto o Comitê Consultivo Internacional do Algodão (ICAC)2 prevêem que o preço médio da temporada 2004/05 deva ficar em torno US$53,00 centavos/libra-peso, com decréscimo de cerca de 22,5%, comparado ao da temporada anterior.
            Há perspectiva de menor pressão sobre os preços somente no decorrer da safra vindoura 2005/06, para a qual o ICAC prevê redução de 9,4% na produção (23,53 milhões toneladas), o que poderá refrear a expansão da oferta para 33,9 milhões de toneladas. O mesmo Comitê estima o consumo em 23,65 milhões de toneladas, com modesto aumento de 2,5%, uma vez que essa variação deve ser menor que a verificada atualmente. De todo modo, o estoque poderá ser estabilizado em 10,24 milhões de toneladas e as cotações alcançarem US$66,00 centavos/libra-peso, com recuperação da ordem de 24,5%.

Panorama Brasileiro

            A produção nacional de algodão (herbáceo) para a safra agrícola 2004/05 está avaliada em 3,8 milhões de toneladas de caroço, 5,06% superior à ocorrida na safra passada, decorrente de aumento de produtividade (0,44%), ocupando uma área de 1,2 milhão de hectares, segundo o IBGE (LSPA, jan.2005)3.
            Na região Centro-Oeste, maior produtora do país, estimam-se queda na área plantada de 1,70% e na produção esperada de 1,56%. Este cenário repete-se no Estado de Mato Grosso, principal produtor nacional, onde a área plantada de 451,3 mil hectares e a produção esperada (em caroço) de 1,6 milhão de toneladas são menores em aproximadamente 4,00% que as registradas no ano agrícola anterior. Os Estados de Mato Grosso do Sul e de Goiás apresentam aumentos tanto em área quanto em produção para a presente safra, como conseqüência da expectativa de obtenção de melhores preços para o produto, bem como devido ao incentivo de cooperativas com o fornecimento de insumos.
            A produção da região Nordeste, que representa ao redor de 30% da brasileira, poderá, para a safra em curso, ser 20,45% maior, numa área plantada de 335,4 mil hectares, 15,57% a mais que a do ano agrícola anterior. A Bahia, principal estado produtor regional e segundo pólo produtor do país, poderá produzir 821,2 mil toneladas de algodão em caroço (19,05% a mais que em 2003/04), cerca de 88% da produção regional, por conta de um rendimento que variou entre a safra atual e a passada mais de três vezes a variação nacional (1,35% contra 0,44%), numa área estimada de 238,7 mil hectares, 17,47% maior quando comparada com o ano agrícola passado.
            No Sudeste, a área plantada em 2005 poderá ser de 148,7 mil hectares, superior 8,16% à registrada na safra passada. Por conta de uma produtividade agrícola praticamente estabilizada (-0,31%), a produção esperada é de 387,9 mil toneladas de algodão em caroço, 7,86% a mais que a obtida em 2004.
            Para o Estado de São Paulo, os números levantados no campo pelos técnicos das Casas de Agricultura, entre os dias 01 e 22 de abril do presente ano, e analisados pelos técnicos do Instituto de Economia Agrícola (IEA) indicam área de 110,34 mil hectares, 26,4% maior que a plantada no ano agrícola 2003/04, com produção de 16,4 milhões de arrobas de algodão em caroço (246,4 mil toneladas). Isto significa acréscimo de 14,0%, em comparação com o ano agrícola anterior, por conta do decréscimo na produtividade agrícola.
            A queda de 9,8% na produtividade agrícola pode ser atribuída às adversidades climáticas prejudiciais à cultura ocorridas, principalmente, na fase de desenvolvimento da planta. Todavia, este cenário não é o mesmo em todo o Estado. Regiões como Bauru, Dracena, Jaú, Limeira, Lins, Mogi-Mirim, Presidente Venceslau e São João da Boa Vista apresentam aumento de produtividade agrícola na safra 2005, em relação à de 2004.
            O Brasil deve colher 1,388 milhão de toneladas de algodão em pluma na safra corrente, com aumento de 6% em comparação com a passada. Acrescida do estoque inicial (239,8 mil toneladas) e das importações ainda realizadas no país (60,0 mil toneladas), perfazem oferta de 1,688 milhão de toneladas, maior em 12,5% que a do ano anterior e a mais elevada dos últimos tempos, conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)4 (tabela 2).

            Até passado pouco remoto, declínios nos preços internacionais de algodão traziam ao cotonicultor brasileiro a expectativa de dificuldades na comercialização do produto por conta do acirramento das importações. Na atualidade, as preocupações se voltam para a possibilidade de escoamento da safra via exportações face à estagnação e mesmo declínio do consumo interno da fibra.
            O consumo brasileiro de algodão tem oscilado nos últimos anos e aumentos, quando ocorrem, têm sido menos intensos que o da oferta. Em 2005, devem ser demandadas 920,0 mil toneladas, ou 1% a menos que no ano passado. Numa conjuntura de expansão da oferta nacional, queda nos preços internacionais, câmbio valorizado e inviabilidade de carregamento de estoques por parte dos agentes da cadeia, em virtude da elevada taxa de juros, essa pequena variação ganha maior magnitude. Ademais, o fato de a demanda por têxteis ser condicionada pelo ritmo do crescimento do emprego e dos salários5 e a intensificação das importações de manufaturados tendem a exercer influência sobre o uso industrial do algodão.
            Por sua vez, as exportações são previstas em 370,0 mil toneladas, superior em 11,7% às destinadas ao exterior em 2004. É possível que esse acréscimo na quantidade não seja suficiente para compensar a provável redução da receita do exportador, em face da retração no nível dos preços internacionais e da persistência da apreciação cambial.
            Desse modo, a CONAB prevê que ao final desta temporada hajam 398,0 mil toneladas de algodão em estoque (84 mil toneladas a menos que no levantamento de fevereiro de 2005). Ainda assim, deve ser 66% maior que o volume do último ano.
            Nessa circunstância, os preços da fibra no atacado em São Paulo, em maio do corrente, sofreram queda de 45% em relação aos registrados há um ano6, tendência que tem sido refletida nos preços pagos aos cotonicultores no âmbito nacional. No Estado de São Paulo, os preços recebidos pelos produtores de algodão em pluma apresentam retração de 37% no mesmo período (figura 2). Acrescenta-se, ainda, que a entrada no mercado da maior parcela da safra brasileira entre junho e julho, época em que se intensifica a colheita do algodão no cerrado, poderá pressionar ainda mais os preços da fibra.

Figura 2 – Preços Médios Mensais Recebidos pelos Produtores, Algodão em Pluma, Estado de São Paulo, Maio de 2004 a Maio de 2005

Fonte: Instituto de Economia Agrícola.

            Com o objetivo de minimizar os efeitos dessa situação para a cultura, o Governo Federal anunciou a imediata liberação de recursos por meio de mecanismos de comercialização, como o prêmio de escoamento de produto (PEP), leilões de opções e aquisições do governo federal (AGF)7.8

1 USDA – www.fas.usda.gov
2 ICAC – www.icac.org
3 Levantamento Sistemático da Produção Agrícola – LSPA. Rio de Janeiro: IBGE, jan.2005.
4 CONAB – www.conab.gov.br
5 SOARES, P.M. Abertura comercial: setor têxtil por um fio – avaliação dos impactos do processo de abertura comercial sobre o setor têxtil e as estratégias de adaptação. Dissertação de Mestrado, FGV, SP, 1994.
6 Refere-se à média das cotações praticadas de 09 a 13/5/2005, divulgadas pela CONAB.
7 BOUÇAS, C. Arroz e algodão terão apoio, diz Rodrigues. Valor Econômico, 17/5/2005.
8 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-39/2005

Data de Publicação: 01/06/2005

Autor(es): Marisa Zeferino (marisa.zeferino@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Denise Viani Caser (dcaser@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor