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Crise da agricultura: modernidade produtiva e institucionalidade jurássica
As
análises dos agromercados incorporam complexidades crescentes, não apenas porque
o número de variáveis aumenta, numa economia globalizada submetida a um regime
de câmbio flutuante, como, principalmente, porque em economias continentais de
agricultura diversificada não ocorre uma transmissão linear dos movimentos de
cada variável no plano regional e das cadeias de produção, impactando de forma
diferenciada os diversos agronegócios. Economia de contratos incipiente Uma questão estrutural da agricultura brasileira exacerba esse problema: a economia de contratos mostra-se incipiente frente ao conjunto da produção nacional, em especial no elo formado pelos agropecuaristas cujas produções são realizadas com baixo percentual da safra com venda antecipada quando comparada com grandes agriculturas de commodities como a norte-americana. E
essa condição estrutural tem efeito direto na renda e na capacidade de gerenciar
e ultrapassar crises. Bolsas de Valores x Bolsas de Mercadorias Razões
de ordem cultural, como o apego ao patrimonialismo e uma visão equivocada do
papel das Bolsas, fazem com que a cada crise pese sobre a agricultura nacional a
inexorabilidade histórica da extinção dos dinossauros. Afinal, essa agricultura
já exorcizou o fantasma da tendência secular à insignificância, imputada a ela
pelos defensores da teoria tradicional do desenvolvimento econômico – segundo a
qual a agricultura deveria desenvolver-se fazendo desaparecer sua relevância
para a renda e o emprego nacionais. Mas ainda arrasta-se no terreiro tomada pelo
espírito de senhor do engenho, presa a valores culturais que impedem a
modernidade institucional. Financiamento de custeio e títulos financeiros
Em 1995, inicia-se a estruturação do novo padrão de financiamento, no qual o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)1 cuida do crédito de investimento para os
agronegócios (MODERFROTA e MODERINFRA) e o financiamento do custeio da safra
dá-se pela venda antecipada com base em operações de títulos financeiros. 1 BNDES: www.bndes.gov.br
No monitoramento da conjuntura dos agronegócios, não mais são consistentes os acompanhamentos de variáveis
tradicionais como os preços e os custos (determinando a rentabilidade
econômica). Além disso, a formação de expectativas não mais responde à proporção
dos benefícios que possam ser colhidos da implementação de políticas públicas.
As retrospectivas e os prognósticos desenhados nos anos 70 e 80, com base numa simplificação da realidade que podia ser explicada a partir de poucos indicadores, não mais fazem
sentido no complexo produtivo da agricultura brasileira modernizada e submetida
aos desígnios de uma economia aberta. Mais que isso, a territorialidade assume
papel vital ao promover comportamentos diferenciados, para uma mesma cadeia de
produção, em função dos distintos grupos de agropecuaristas, das diferenças de
dinâmicas regionais e da posição de cada produto dentro do complexo produtivo da
agricultura como um todo.
Numa proliferação de fontes e mecanismos de financiamento, não há como realizar
uma estimativa de custos financeiros pela diversidade de safras, de
regionalidade e de perfis de agropecuaristas. Com isso, as médias dos cálculos
de rentabilidade econômica como medida de posição explicam muito pouco pela
elevada dispersão.
Nesse mosaico de diferenças, o cálculo capitalista na agricultura revela-se uma
tarefa muito mais complexa que no passado. As transformações da agricultura
brasileira, ao se constituírem num sucesso na ótica técnico-produtiva, formaram
um complexo produtivo que, mais que uma teia de relações intersetoriais
diversas, forjou uma complexidade de movimentos que exige imenso esforço na
construção de universalidades, subjugando a microeconomia de forma definitiva à
macroeconomia.
Aumentam as indefinições na formação de expectativas na agricultura brasileira,
revelada numa realidade que não se reconhece mais no espelho das estatísticas,
pela falta de bom senso nas decisões governamentais que levou à não-realização
de um bom censo agropecuário desde 1985 (o de 1995 tem problemas graves e
conhecidos para informações estruturais). As previsões e estimativas de safras
despencam de mais de 130 milhões de toneladas de grãos para menos de 115 milhões
de toneladas, ficando os analistas a garimpar explicações dado que as quebras de
safras por fenômenos climáticos (que existiram de fato) não explicam toda a
redução do volume colhido.
Mais grave, no cálculo capitalista formou-se expectativas com prognóstico de supersafra, com notórios efeitos de queda de preços, mas colheu-se a menor safra do último triênio, visto que a verdadeira supersafra foi plantada no segundo semestre de 2002. Assim, numa economia globalizada em segmento tomador de preços, como o mercado de commodities, colhe-se menos
mas vende-se a preços de supersafra, com dupla pressão sobre a renda do elo
estratégico (mas com menor poder de mercado dos agronegócios), o agropecuarista.
Essa verificação da realidade torna ainda mais complicada a compreensão da
profundidade da crise quando se destaca o elevado grau de informalidade dos
contratos. Basta ver que se estima a existência de R$ 22,35 bilhões em Cédulas
do Produto Rural (CPRs) de gaveta, para os R$ 4,47 bilhões de CPRs oficiais
contratadas em 2004. Logo, mesmo na economia de contratos, a grande parcela dos
agropecuaristas está desprotegida.
Noutras palavras, firma-se mais um paradoxo. A agricultura brasileira de commodities conseguiu avanços expressivos de modernidade
produtiva, construindo os fundamentos mais avançados da competitividade das
cadeias de produção – com produtividades físicas crescentes e comparáveis (até
superiores) às verificadas na agricultura norte-americana. Mas ainda tem, em
termos institucionais, padrão concernente a quem terminou de completar a
revolução neolítica, dado que não evoluiu para a ampla e genérica prevalência da
economia de contratos.
Tem-se realizado avanços desde 1995, mas os resultados ainda se mostram
acanhados. Tanto assim que os defensores da economia de mercado não encontram
outra alternativa senão abrir mão de seus princípios e clamar pela ação do
Estado, no sentido de aportar recursos públicos para alavancar a solução da
crise atual.
Como não há outra saída, cabe às autoridades governamentais evitar que a crise
conjuntural se transforme numa crise estrutural que comprometa o desenvolvimento
da agricultura, principal setor da economia continental brasileira. Mas há
também que se chamar à realidade aqueles cujas análises e posicionamentos
desconsideram o papel do Estado nos períodos de bonança – chegam mesmo a
abominar a sua existência, que só geraria custos pela carga tributária, sem
levar em conta que sem recursos não existem políticas públicas.
Na agricultura norte-americana, ocorre a vigência da plenitude da gestão de riscos, com um sistema consistente de seguro agropecuário, e prevalece amplamente a economia de contratos na gestão de riscos de preços, com base em operações em Bolsas de Mercadorias, e a obrigatoriedade de hedge em todas as transações de exportação, evitando que
movimentos abruptos do mercado internacional tenham o efeito de um tornado ao
sugar a renda agropecuária interna. Já a agricultura brasileira, em termos da
adoção dos princípios mitigadores da instabilidade, se mostra contemporânea do
período jurássico.
Há de se realizar ampla campanha de formação cultural dos empresários dos
agronegócios, notadamente os agropecuaristas, para dotá-los de conhecimento
sobre a nova institucionalidade relativa à conformação contemporânea do
capitalismo na qual se dá a hegemonia do capital financeiro. Essa superestrutura
determina a estrutura que se constitui dada para os distintos agentes
econômicos.
Essa questão se mostra tão vital para o Brasil que deveria ser objeto de cursos
de formação conceitual, envolvendo todo o sistema educacional, como matéria
curricular obrigatória. Isto permitiria que a formação dos cidadãos, em todos os
rincões do território brasileiro, incorporasse essa necessidade nacional.
Para os que, porventura, vierem a colocar essa proposta na categoria das
estultices, há de se lembrar que a educação tem por objetivo formar cidadãos
aptos a compreender e intervir nas suas realidades. E, para a maioria dos
brasileiros de lugares longínquos ou não, a realidade objetiva movimenta-se pela
agricultura enquanto transformação econômica que move a história.
Trata-se, assim, de socializar para esses empreendedores estratégicos da
economia brasileira – do presente e do futuro por meio do investimento nos seus
filhos - informações e capacidade reflexiva sobre o papel das Bolsas. De início,
deve-se mostrar a nítida distinção entre Bolsas de Valores e Bolsas de
Mercadorias, identificando diferenças de missões e contornos institucionais e
destacando as distinções dos públicos e dos perfis de operadores (ainda que
parcela possa estar presente nas duas instituições).
Ao tratar do denominado mercado financeiro, a própria mídia - por certo,
partindo do pressuposto de que está focando um público de iniciados - acaba por
contribuir para a existência da cultura de aversão da massa de agropecuaristas
em relação ao mercado financeiro. Isso porque a imagem do mercado de ações acaba
por contaminar o mercado de títulos lastreados em mercadorias, gerando
insegurança ainda maior. Como há entre os agropecuaristas poucos iniciados, é
natural que abominem o desconhecido.
Esse esforço deve envolver instituições públicas de pesquisa aplicada à
agricultura, faculdades de ciências agrárias e colégios agrícolas, de maneira
que, no médio prazo, seja ampliado de forma vertiginosa o número de agentes
produtivos da agropecuária com conhecimento sobre o funcionamento do mercado
financeiro e, em especial, da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F).
Trata-se de garantir cidadania para todos na medida em que produzir no
capitalismo contemporâneo significa atuar no mercado financeiro.
Políticas para a agricultura baseadas na profusão da aplicação de recursos
públicos, como a dos anos 70, representam um passado remoto que não será mais
que um ponto realçado da história, não voltando mais. Afinal, a história não se
repete enquanto história, apenas como farsa, e nada nos estimula a viver a
repetição inconseqüente da farsa que impede a manifestação da modernidade.
Assim, esses cidadãos plenos contribuirão para aplaudir e formar opinião pública
a favor do lançamento de novos títulos financeiros dos agronegócios como
instrumentalização da modernidade (CPR – Lei Federal n° 8.929 de 22 de agosto de
1994 e novos instrumentos - Lei Federal n° 11.076 de 30 de dezembro de 2004) e
da redução da carga fiscal sobre operações em bolsas que permitirá menores
custos dessas operações (Decreto Federal n° 5.442 de 9 de maio de 2005 que reduz
a zero as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes
sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas à
incidência não-cumulativa das referidas contribuições).
Poderão, ao mesmo tempo, condenar com veemência os arroubos do retrocesso
oriundos de devaneios ruralistas, como o projeto de lei em tramitação no
Congresso Nacional (sob n° 5124/2005), que propõe vedar o uso da CPR física como
garantia de contratos de compra e venda de produtos ou insumos, partindo do
pressuposto de que ela se tornou um instrumento de espoliação dos
agropecuaristas. Isto simplesmente corresponde na prática à extinção da CPR,
revogando toda a modernidade do novo padrão de financiamento para os
agronegócios oriundo da edição da Lei Federal n° 8.929, de 22 de agosto de 1994,
e significa mesmo um obstáculo à proliferação dos novos instrumentos instituídos
pela Lei Federal n° 11.076 de 30 de dezembro de 2004.
Trata-se, assim, de mais uma manifestação da cultura patrimonialista persistente e resistente que acaba por fazer prevalecer mentalidades e institucionalidades jurássicas na agricultura brasileira. Equívoco este que acaba por recair sobre a própria agricultura pela inexistência generalizada de mecanismos de gestão de riscos e de gerenciamento de crises conjunturais, peando o longo prazo ao curto prazo ancorado no passado.2
2 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-37/2005
Data de Publicação: 24/05/2005
Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor