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Derivativos em café: evolução e relevância
O nível de desenvolvimento do sistema econômico global ressalta a magnitude e relevância das transações diárias envolvendo títulos financeiros e outras modalidades de contratos mercantis. O movimento de valores e de mercadorias amparados por tais títulos pode, em um único dia, acumular um giro financeiro superior àquele que a economia real é capaz de produzir em bens e serviços durante meses.
Os produtos da pauta dos agronegócios não constituem exceção ao esquema mais geral desse mercado de Bolsas de Valores. As chamadas commodities agrícolas, especialmente, encontram-se plenamente inseridas nas transações em bolsas e são uma das modalidades de aplicação disponíveis para uso em estratégias de valorização do capital por parte de fundos de investimentos e de traders (empresas líderes do comércio internacional de matérias-primas agrícolas).
Os títulos financeiros colocados em bolsas são particularmente talhados para o financiamento e a gestão de riscos para transações, envolvendo commodities agropecuárias, em razão do regime sazonal de oferta desses produtos. Ademais, a recorrência de distúrbios climáticos nos diversos cantos do globo adiciona maior interesse na proteção de risco de oscilação de preços para os produtos agropecuários.
No Brasil, os títulos financeiros para comercialização de commodities agrícolas são ferramentas antigas para o arrefecimento dos riscos de variações bruscas nas cotações dos produtos agrícolas e de preservação do patrimônio. A Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), da Cidade de São Paulo, é uma das mais relevantes em âmbito internacional.
Entre as commodities agrícolas negociadas na BM&F, destacam-se os contratos de café arábica brasileiro; daí o interesse de se analisar o seu desempenho e as perspectivas futuras, principalmente com a inclusão dos contratos de café robusta neste mercado. As transações com café em bolsas remontam ao século XIX com o surgimento da Bolsa de Café de Santos, engendrada pelo capital comercial que protagonizou o avanço do ciclo cafeeiro paulista até o primeiro quartel do século XX.
Volume de operações
No conjunto das commodities diariamente transacionadas na BM&F1, para o período 2000 a 2005, os contratos de café arábica representam sistematicamente mais de 50%, tendo alcançado 66,4% em 2003 (tabela 1).
TABELA 1 – Número de contratos de café arábica e total, 2000 a 2005
| | (%) | | (%) | |
2000 | 339.691 | - | 668.181 | - | |
2001 | 488.982 | 44,61 | 748.668 | 21,06 | |
2002 | 483.524 | -1,63 | 766.770 | 4,74 | |
2003 | 517.110 | 10,03 | 778.466 | 3,06 | |
2004 | 674.351 | 46,98 | 1.050.252 | 71,13 | |
2005(1) | 112.335 | -30,50(2) | 237.924 | 0,50(2) | |
Fonte: RELATÓRIO Agropecuário Mensal – Fevereiro 2005. São Paulo, BM&F, 2005 (disponível em www.bmf.com.br )
Essa majoritária participação no número de contratos do café arábica demonstra que o produto já alcançou ponto de maturidade em termos de grau de utilização dos contratos (futuros e opções), ultrapassando o patamar do mero aprendizado. Tal informação representa um aspecto relevante pois permite que os cafeicultores e demais agentes da cadeia produtiva do café protejam seu patrimônio, compartilhando parte dos riscos intrínsecos à atividade.
Em 2002, ocorreu uma queda de 1,63% no número de contratos de café arábica, ainda que em termos globais tenha ocorrido incremento de 4,74% no total de contratos negociados. Esse fato reflete, em parte, a severa crise de preços pela qual passou o segmento no período, com cotações que sequer cobriam o custo de produção, desestimulando qualquer estratégia de precificação.
Sob períodos recessivos como foi o ano de 2002, os produtores não buscam os títulos pois os preços já apontam para substanciais perdas, permanecendo ativos apenas os exportadores e traders que ainda necessitam travar preços frente a Nova Iorque. No primeiro trimestre de 2005, houve forte recuperação da cotação do produto. Na BM&F, a cotação da segunda posição para o café arábica cresceu 29,31% no trimestre, o que pode explicar a redução de 30,5% no número de contratos em relação ao mesmo período de 2004.
Os contratos, enquanto cambiais, possuem um valor de face que pode igualmente ser acumulado ao longo do ano. Em 2004, por exemplo, o valor total dos contratos de café arábica atingiu US$ 5,5 bilhões, ou seja, mais de três vezes o saldo dos embarques de café verde rumo ao exterior. A dimensão desse montante transacionado na BM&F revela o interesse por esses papéis. Caso todos os títulos fossem exercidos no mercado físico, teríamos de acumular o volume colhido em duas safras para saldar os compromissos acertados em 2004, quando cerca de 67,4 milhões de sacas foram negociadas2. Esse fenômeno representa maior liquidez para o ativo sem que as entradas e saídas de agentes não causem perturbações às cotações (tabela 2).
TABELA 2 – Volume e valor dos contratos de café arábica, 2000 a 2005
Ano | | |
2000 | | |
2001 | | |
2002 | | |
2003 | | |
2004 | | |
2005(1) | | |
Fonte: RELATÓRIO, 2005
O perfil de participantes do mercado de contratos de café arábica é formando por pessoas físicas e jurídicas, tanto nacionais quanto residentes no exterior. Dois terços tanto dos compradores quanto dos vendedores pertencem à categoria pessoa jurídica não-financeira, seguida de investidores não-residentes-agro, para o caso de compra, e de investidores institucionais nacionais. Esses investidores, normalmente, recorrem aos títulos financeiros como forma de se proteger contra riscos em relação a oscilações de preço em Nova Iorque.
Tanto para compra quanto para venda, os investidores de perfil pessoa física apresentam baixa participação no contexto das transações3. Já os investidores residentes no exterior praticamente não aparecem como compradores e mantêm-se abaixo de 1% do total para o caso de vendedores (tabela 3).
Tabela 3 – Distribuição dos contratos de café em aberto por tipo de participante1(%)
1 Dados referentes ao último dia do pregão
Fonte: RELATÓRIO, 2005
Essas informações indicam, no caso dos comprados, grande importância dos investidores pessoas jurídicas não-financeiras que constituem as exportadoras, as torrefadoras de café torrado e moído e a indústria de solúvel, cujo objetivo é garantir um determinado preço para a sua matéria prima (café verde). A participação dessa categoria, nos últimos 12 meses, tem sido crescente, mas a partir de setembro de 2004 vem perdendo importância (68,40%) para os investidores não-residentes-agro, cuja participação atingiu 45,94% em março de 2005. Tal fato pode estar associado à formalização de parcerias junto a investidores externos, visando a ganhos de diferenciais em relação à bolsa de mercadorias de Nova Iorque.
Quanto à posição vendida, tem-se como investidores mais expressivos pessoas físicas não-financeiras que, em março de 2005, representavam 46,08% do total de investidores. São representantes das cooperativas, que têm por objetivo garantir um determinado preço na venda de seu café verde, seguidos dos investidores institucionais nacionais, com 29,75% no mesmo mês, representando fundos que atuam no mercado com o objetivo de ganhos para seus clientes.
Modernidade da gestão de risco em bolsas
A dimensão do mercado de títulos financeiros de café arábica continua esboçando tendência de crescimento em termos de números de contratos, pois, relativamente, deve manter participação entre 50% e 65% do total de contratos celebrados ao ano na BM&F. As previsões para continuação de cotações pressionadas pela escassez de oferta tendem a atrair maior número de participantes tanto de compradores quanto de vendedores dos títulos oferecidos pela bolsa paulista.
Há ainda amplo espaço para ampliação das transações comerciais com café arábica na BM&F, a despeito do relevante avanço nos últimos cinco anos, quando o volume de café arábica cresceu 68,7%, partindo de volume de títulos equivalente a 40 milhões de sacas de 60 kg do produto para 67,4 milhões de sacas. À simples comparação do volume de sacas transacionado em 2004, na BM&F, com a safra brasileira daquele ano - que alcançou aproximadamente 38 milhões de sacas de café -, nota-se que a alavancagem das transações em bolsa foi pouco menor que duas vezes, porém muito inferior à verificada na Bolsa de Nova Iorque que atingiu nove vezes a safra mundial do produto. Noutras palavras, há espaço considerável para ampliação desses negócios no País, a despeito dos incrementos observados nos últimos cinco anos.
O desenvolvimento dos mecanismos de venda antecipada para financiamento da produção ou gestão de riscos para a agricultura brasileira ainda não ocorreu na magnitude da representatividade setorial na economia nacional e de sua inserção internacional. Se há muito que avançar numa das commodities mais negociadas como o café arábica brasileiro, nas demais commodities a proporção das transações em bolsas ainda é mais incipiente.
Essa constatação revela um elemento de fragilidade dos agronegócios que é o não-desenvolvimento pleno da moderna economia de contratos. Este envolve negócios derivativos agropecuários que ofereçam mecanismos adequados de gestão de riscos de preços e de câmbio, compatíveis com a estabilidade da renda setorial que por sua vez representa um elemento determinante do horizonte previsível na formação de expectativas favoráveis ao investimento, às inovações e à ampliação da capacidade produtiva.
Noutras palavras, atuando numa economia de câmbio flutuante inserida num mundo globalizado enquanto nação não-hegemônica, o agropecuarista enfrenta três tipos de riscos fundamentais a administrar: o risco agro-climático derivado da ocorrência de pragas, doenças e distúrbios climáticos, cujo mecanismo fundamental - ainda não implantado no Brasil - consiste no seguro rural; o risco cambial, decorrente de uma economia que, ao sair do câmbio fixo para o câmbio flutuante, aboliu o hedge natural do câmbio administrado; e o risco de preços dada a natural sazonalidade da produção com sobre-oferta conjuntural nos períodos de colheita. Para esses dois últimos tipos de risco, o mecanismo adequado numa economia de mercado está em fazer hedge em bolsas.
Com exceção do café arábica, os títulos financeiros negociados em bolsas nacionais ainda não prosperam de forma decisiva na agricultura brasileira com um reduzido grau de alavancagem em relação à produção nacional. Muitas empresas que operam no Brasil - em especial aquelas que atuam nos elos a jusante da produção rural nas cadeias de agronegócios, mas com presença ativa no mercado internacional - acabam realizando hedging em bolsas no exterior.
Entretanto, para a imensa massa de agropecuaristas, mostra-se estratégico para o dinamismo futuro o fortalecimento da BM&F enquanto bolsa nacional de mercadorias, de maneira a ampliar as operações internas de venda antecipada de safras para financiamento da produção e gestão de riscos dos preços fundamentais dos negócios agropecuários representados pelo câmbio e pelo valor comercial dos produtos.
A modernidade da economia brasileira globalizada - e com aspiração de liderança no mercado internacional de commodities agropecuárias - não pode continuar convivendo com a fragilidade decorrente do ainda incipiente grau de alavancagem das operações com derivativos agropecuários na BM&F. Disso resulta reduzida capacidade de gestão de riscos via economia de contratos que consiste num elemento recorrente de estabilidade sistêmica.
Há de se romper com obstáculos culturais de forma a visualizar que, quanto mais alavancadas forem as operações com títulos financeiros em relação ao ativo real representado pela commodity que concede lastro a esses negócios, tanto mais ampla e diversificada se configurará a rede de agentes econômicos com cumplicidade formal, ampliando assim a base econômica, social e política de sustentação da agricultura.4
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1 São elas: açúcar, álcool anidro, algodão, bezerro, boi gordo, café arábica, café conillon, milho e soja.
2 Em termos de comparação, a Bolsa de Nova Iorque, em 2003, negociou 908 milhões de sacas para uma produção mundial estimada em 105 milhões de sacas. FORTES, G. 'Para BM&F, dá para crescer mais 100%'. Anuário DBO, 2005. 24-25p.
3 A partir de dezembro de 2004, a BM&F começou a operar com os minicontratos, inicialmente de boi gordo, com vistas à popularização junto a pessoas físicas da aplicação em contratos futuros de commodities em que os riscos são particularmente baixos por serem negociadas apenas duas cabeças por operação.
4 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-28/2005
Data de Publicação: 04/05/2005
Autor(es):
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor