O papel da logística na cadeia de produção dos hortifrutis

            As frutas e hortaliças destinadas ao consumo 'in natura' alcançam sua qualidade máxima no momento da colheita, não podendo ser melhoradas, mas somente preservadas até um determinado limite. A qualidade desses produtos depende de uma série de fatores fisiológicos, mecânicos e ambientais. Assim, a deterioração das frutas e hortaliças é um processo irreversível e inevitável e, dessa forma, o cuidado deve começar no campo, especificamente no momento da colheita, devendo, sobretudo, se estender por todas as etapas pós-colheita até o consumo.
            As medidas que sucedem a colheita exercem papel fundamental no atendimento dos anseios dos consumidores, pois a procura por alimentos saudáveis faz com que o consumidor cada vez mais busque frutas e hortaliças com esses atributos.
            A pós-colheita tem um papel tão importante quanto o da produção, onde os processos de classificação, embalagem, manuseio e transporte adequados devem ser incorporados à cadeia produtiva. O não-emprego desses processos e algumas práticas adotadas pelos produtores, como a colheita precoce, na tentativa de que o produto resista ao transporte, acabam trazendo uma depreciação na qualidade do produto.
            Os altos custos dos fretes agrícolas nacionais, o uso de veículos inadequados, o acondicionamento em embalagens inapropriadas (figura 1)1 e as técnicas obsoletas de carga e descarga fazem da logística de distribuição uma das principais causas de perda de qualidade dos produtos hortícolas, trazendo prejuízos para produtores e consumidores.

Figura 1. Uso de embalagens inadequadas para o acondicionamento e transporte de tomate.

            As perdas do setor desde o momento da colheita até a mesa do consumidor são da ordem de 35%2, mas algumas tecnologias pós-colheita poderiam ser aplicadas para diminuí-las e manter a qualidade do produto, como por exemplo, o uso de embalagens que respeitem as características do produto, a paletização da carga, a utilização de câmaras frias, o transporte e a armazenagem apropriados. As perdas de produtos perecíveis podem ter como causas:

  • Ataque de pássaros e insetos à produção ou danificação desta devido a um distúrbio fisiológico.
  • Na fase de colheita, a inabilidade do homem em observar ou aferir a necessidade de cuidados com o produto. Isto pode ocasionar machucados, cortes, batidas, quedas ou até mesmo pisoteio do produto.
  • Manuseio incorreto na pós-colheita, danificando o produto em operações com transporte, classificação, embalagem e armazenamento em sucessivas operações, até a sua chegada ao mercado atacadista ou varejista.
  • Manuseio impróprio nos mercados atacadista e varejista, pela falta de cuidado ao armazenar e manipular o produto. 3

            A evolução da tecnologia de produção agrícola gerou um grande aumento na diversidade dos produtos ofertados ao mercado e, ainda, na busca de melhor aptidão agrícola, ocorrendo migração das regiões produtoras para áreas distantes do local de consumo, o que aumentou a distância percorrida. Deste modo, a demanda da cadeia de hortifrutis por sistemas logísticos eficazes, com vistas à adequação do setor, torna-se mais evidente.
            Os preços dos hortifrutis continuam sendo sazonais, fazendo com que os produtores fiquem economicamente vulneráveis a qualquer oscilação e/ou mudança de comportamento do mercado. Assim, o elemento fundamental para otimizar e integrar o setor seria uma plena coordenação da cadeia, na tentativa de capacitar o produtor, reduzir as variações de preços e divulgar os produtos.
            O canal de comercialização de hortifrutis, tradicionalmente composto por produtores, atacadistas e varejistas, vem passando por alterações, ora pela conexão direta dos grandes varejistas com os produtores, ora pela revalorização do atacadista.
            A maioria dos atacadistas de hortifrutis está localizada nas Centrais de Abastecimento (CEASAS). Estas centrais têm capacidade de concentrar boa parte do mercado, eliminar concorrentes e prestar serviços especializados, possuindo, porém, uma infra-estrutura obsoleta e não oferecendo tecnologia compatível com as exigências dos produtos.
            Um outro aspecto ligado à logística é o 'passeio' do produto. Alguns produtos deixam a região produtora e são transportados até o Entreposto Terminal de São Paulo (ETSP) da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP)4, onde recebem a cotação e são devolvidos à origem. Exemplo da mandioquinha-salsa (ou batata-baroa), que faz o percurso da cidade paranaense de Rio Negro até a Ceagesp para depois retornar à Ceasa Curitiba onde é comercializada. Esta logística inadequada ocasiona maiores perdas do produto e aumenta o custo de comercialização.
            É crescente, também, o número de centrais de distribuição controladas pelos grandes varejistas, ocorrendo expressivos ganhos de escala com a utilização de ferramentas de controle de processo e previsão de vendas. Os contratos e relacionamentos de longo prazo permitem que os fornecedores tenham garantias de preços e de volumes de produção a serem comercializados. Existe, porém, a falta de transparência sobre as exigências de qualidade do produto e sazonalidade de vendas e de preços, o que dificulta as negociações.
            No que tange à composição dos fretes do setor, existem basicamente dois tipos de negociação: o das 'vendas por consignação', nas quais o produtor entrega a carga e não sabe o preço pelo qual vai ser comercializada; e o das transações pelo sistema de 'preço feito' ou 'combinado', em que as condições de comercialização já foram acordadas entre produtor e comprador.
            No sistema de consignação, o atacadista cobra uma comissão pela venda da mercadoria. No momento em que é feita a venda, todos os custos de embalagem, carga, descarga e transporte são descontados do valor final. Neste tipo de negociação, o risco para o produtor é grande, dada a perecibilidade dos hortifrutis.
            No caso do preço feito, cujo valor é combinado na origem, portanto antes da remessa, os custos de carga, descarga e frete são pagos pelo comprador. O valor da mercadoria poderá ser renegociado se ela apresentar uma qualidade diferente da que foi combinada.
            A questão da embalagem também é uma grande barreira para o segmento. Atualmente, a maioria das caixas que acondicionam os produtos não contempla a Instrução Normativa (IN) nº 0095, ou seja, as caixas utilizadas não atendem às características dos produtos. Além disso, representam um alto custo nas transações do setor, contribuindo para um elevado percentual de perda das mercadorias.
            Existe ainda uma minoria de produtos (mas cujo número vem crescendo) que pode ser transportada paletizada (figura 2). Nesses casos, os produtores e atacadistas ainda enfrentam o problema de falta de estrutura no recebimento. Assim, torna-se imprescindível a correta especificação e utilização das embalagens.

Figura 2. Movimentação adequada de carga paletizada

            Uma nova tendência de organização do setor são os galpões de embalagem (packing house), estruturas que atuam no beneficiamento, tratamento, armazenamento e empacotamento de hortícolas frescos (figura 3). Essas estruturas podem ser uma unidade de pessoa física ou jurídica, responder pela produção de um só produtor ou grupo de produtores (associação ou cooperativa) ou ainda prestar serviço para os produtores locais. Estes galpões auxiliam no melhor controle de qualidade, além de agregar valor ao produto.

Figura 3.Galpão de embalagem de Tomate

            Os ganhos dos investimentos em embalagens e galpões, que garantam a qualidade do produto, serão melhor percebidos se o transporte dos hortifrutis ocorrer em veículos apropriados.
            As características dos veículos que transportam os produtos agrícolas variam muito. Eles podem ser caminhões baús, abertos lonados ou não (figuras 4 e 5). Os caminhões baús podem ser comuns ou isotérmicos (baús refrigerados), condição que, infelizmente, ainda contempla uma minoria de produtos, geralmente de grandes produtores ou cooperativas.
            Produtos como melão, melancia e abacaxi, que são transportados a granel em caminhões lonados e acondicionados entre palha (figura 5), geralmente chegam ao destino danificados, perdendo qualidade e, conseqüentemente, valor de mercado.
            Uma solução para o setor seria utilizar transporte frigorificado, que tem o objetivo de manter a qualidade do produto desde a sua retirada da propriedade até a prateleira. Muitas empresas, ou mesmo grandes produtores, possuem a tecnologia do frio, mas não sabem utilizá-la corretamente e acabam danificando os produtos.
            Com a quebra da cadeia de frio, por exemplo, há exposição do produto resfriado ao ambiente quente, levando à formação de gotículas de água, situação ideal para o desenvolvimento de fungos e bactérias. Esta quebra de temperatura pode ser causada quando o motorista desliga o motor para economizar combustível nas paradas, ou ainda pela falta de estrutura das Centrais Atacadistas.

Figura 4. Transporte paletizado Figura 5. Transporte a granel em caminhões lonados

            Contudo, o maior desafio do setor logístico dos hortifrutis é a definição de quem será o agente responsável pela articulação e coordenação da cadeia. As grandes redes varejistas podem exercer este papel, mas é necessário ainda estabelecer a organização do pequeno varejo e dos pequenos produtores que não têm acesso a estas redes.
            Neste sentido, a capacitação dos pequenos produtores torna-se imprescindível, sobretudo, na adequação da produção para atender as normas sanitárias e ainda o padrão de consumo demandado pelo mercado.Torna-se necessário, também, a modernização das Ceasas, que ainda carecem de infra-estrutura e tecnologia adequadas para as necessidades dos hortifrutis e para as novas exigências do mercado consumidor.
            Mesmo que estes problemas sejam solucionados, permanecerão ainda gargalos na infra-estrutura logística, como a má conservação das estradas, a inadequação dos portos para estes produtos, a burocracia nos postos fiscais estaduais e a falta de infra-estrutura de armazenagem e comercialização. Esses fatores afetam diretamente a qualidade dos produtos, ocasionando grandes perdas nestes processos, o que torna relevante o papel do Estado como planejador e definidor de prioridades e ações permanentes para o setor.6

1Os autores agradecem ao Centro de Qualidade em Horticultura da Ceagesp pela cessão das fotos
2MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO ABASTECIMENTO E DA REFORMA AGRÁRIA. Relatório preliminar da Comissão Técnica para Redução das Perdas na Agropecuária. Brasília: MAARA, 1993. 78 p.
3 CORTEZ, L. A. B. et al. Resfriamento de Frutas e Hortaliças. Embrapa Informação Tecnológica., Brasília, 428p., 2002
4Ceagesp: www.ceagesp.gov.br
5Instrução Normativa Conjunta SARC/ANVISA/INMETRO nº 009, de 12 de novembro de 2002, que regulamenta as embalagens para produtos hortícolas
6 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-27/2005 
    
  

  
 

Data de Publicação: 27/04/2005

Autor(es): Andréa Leda Ramos De Oliveira (andrea@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Priscilla Rocha Silva Fagundes (prsfagundes@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor