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Novos títulos financeiros e novo padrão de financiamento do agronegócio
No final de 2004, o Governo Federal criou novos títulos financeiros do agronegócio (Lei no 11.076, de 30 de dezembro), instituindo
novo padrão de comercialização e de alavancagem de recursos para o setor.
Completava, assim, as opções de títulos financeiros à disposição do agronegócio
que até então se limitavam às operações com a Cédula de Produto Rural (CPRs).
No leilão de estréia da Letra de Câmbio do Agronegócio (LCA) em 1o de março de 2005, o Banco do Brasil ofertou R$ 10
milhões em títulos com vencimentos entre 30 de maio e 29 de agosto de 2005.
Foram captados R$ 9.352.225,00, com taxa de juros média de 19,54%, a qual
corresponde à expectativa do mercado sobre a taxa básica de juros (Selic) para a
época de vencimento. Para esse custo de captação, os valores chegarão aos
agropecuaristas a taxas entre 25% e 30%, ou seja, nos mesmos patamares dos
praticados para a Cédula de Produto Rural (CPR). ________________________
1Uma análise mais detalhada no tocante às transformações do padrão de financiamento da agricultura e ao processo de desenvolvimento e consolidação dos novos títulos financeiros pode ser vista em GONÇALVES et al. Novos títulos financeiros dos agronegócios e o novo padrão do financiamento setorial. IEA, São Paulo.
2005. 37p. (mimeo). 2BRAZ, Adriana Novos títulos vão facilitar acesso ao crédito. Futuros Agronegócios 3 (25):20-22. 2005
3KASSAI, Lúcia. Exportador busca garantia na BM&F. Jornal Gazeta Mercantil. Edição de 15 de
março de 2005. 4Artigo registrado no CCTC-IEA sob número
HP-20/2005
Trata-se dos títulos gêmeos Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e Warant Agropecuário (WA), bem como do Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e do Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA)1.
O padrão de financiamento da agricultura brasileira mudou a partir da configuração da crise do crédito rural subsidiado, gestado na metade da década de 60 e que sustentou todo o processo de modernização agropecuária e de agro-industrialização dos anos 70. Esse padrão de financiamento esgotou na virada dos anos 80, resultando nas transformações que configuram na agricultura a dinâmica de economia industrial integrada. Fator este essencial para explicar o avanço setorial posterior à década de 80 nos segmentos da agricultura de commodities, que pode ser verificado no substantivo
aumento das colheitas de grãos a produtividade crescente.
É nesse contexto que entram os títulos financeiros como constituidores de um
novo padrão de financiamento em desenvolvimento, consolidando
um processo iniciado a partir dos contratos mercantis de soja verde que ganham
impulso na metade dos anos 90. Medidas estruturais, como a renegociação das
dívidas dos agropecuaristas e a definição do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) como fonte dos investimentos setoriais, formam o
alicerce dessa mudança de políticas públicas.
Concomitantemente, ao se definir o mercado financeiro como locus do financiamento de custeio das safras via venda
antecipada, lançou-se em 1995 a Cédula de Produto Rural (CPR), na sua modalidade
física, e a CPR Financeira em 2000, inaugurando um nova conformação do padrão de
financiamento setorial.
Em linhas gerais, há de se destacar a importante evolução institucional e instrumental do novo padrão de financiamento da agricultura com base em títulos financeiros. Também fica nítido que esse avanço se concentra nas commodities, com ênfase na soja, e que as taxas de
juros praticadas configuram ainda um alto custo do dinheiro. Esses custos partem
do piso de remuneração dos títulos públicos (Selic), acrescentando-se outros
custos adicionais.
Em função disso, há dois mercados de CPRs constituídos no Brasil: um de CPRs registradas e o outro das CPRs de 'gaveta', não registradas para fugir dos custos inerentes a esse processo. Em 2004, o Banco do Brasil movimentou em CPRs registradas o valor de R$ 4,47 bilhões, dos quais R$ 2,34 bilhões de CPRs físicas e financeiras avalizadas e R$ 2,13 bilhões adquiridas com recursos livres e da poupança rural2. Entretanto, no mercado das denominadas CPRs de 'gaveta', estima-se que, para cada CPR registrada na época plantio, tem-se a emissão de cinco CPRs de 'gaveta'. Assim, os negócios realizados com lastro nesses papéis atingiriam o montante de R$ 23,35 bilhões com essas CPRs não registradas3.
A recente edição da Lei Federal 11.076/04 é um avanço na medida em que
diversifica de forma consistente as opções de títulos financeiros da agricultura
tanto em termos de variedade de papéis quanto pela amplitude dos agentes que
podem atuar como formadores de fontes de recursos. A estratégia consiste em
atrair poupança interna e externa para financiar as operações de produção, de
processamento e de comercialização das cadeias de produção.
Esses novos títulos complementam pela diversificação o portifõlio de derivativos
do agronegócio. Podem ser reunidos em três grupos em função do perfil de agentes
envolvidos:
É inegável o avanço na construção do novo padrão de financiamento da agricultura
com base em derivativos agropecuários, tanto no campo institucional quanto no
instrumental. Porém, entraves macroeconômicos à queda nas taxas de juros impedem
a redução consistente do custo do dinheiro, obtido com vendas antecipadas
lastreadas em títulos financeiros, e condicionam no curto prazo a potencialidade
e o dinamismo da inserção setorial no mercado financeiro. Além disso, outros
obstáculos devem ser superados na construção e consolidação dos derivativos
agropecuários, enquanto instrumentos da moderna economia de contratos completada
com a negociação desses títulos na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F)
como forma de administração de risco.
Entre as medidas para superar entraves e alterar o foco das políticas públicas para a consolidação do novo padrão de financiamento, sugerem-se a estruturação de um consistente sistema de seguro rural no Brasil; ampliação da abrangência das decisões de políticas públicas, de maneira a consolidar mecanismos para um espectro mais amplo de produtos que as commodities e para um universo mais amplo de agropecuaristas; aprofundamento da modernização da estrutura de mercado dos grãos, principal segmento das commodities brasileiras envolvendo em especial o milho
e a soja; construção e implementação de sólida e permanente campanha no sentido
de superar os obstáculos culturais arraigados na sociedade em relação ao mercado
financeiro; e financeirização da propriedade da terra, criando um mercado
secundário para títulos financeiros lastreados em títulos de propriedade rural.
A inequívoca modernidade instrumental dos títulos financeiros, criados e
aprimorados desde a metade dos anos 90, enquanto mecanismos delineadores de um
novo padrão de financiamento setorial – em especial para as commodities
agropecuárias -, encontra limites macroeconômicos explícitos para manifestar a
plenitude da sua potencialidade. O alto custo do dinheiro revelado nos negócios
formais com esses títulos, e a elevada informalidade dele decorrente, deriva da
inserção da agricultura no mesmo espaço da economia brasileira, onde se
encontram a dívida pública e os déficits da previdência social (resquícios não
solucionados da crise do velho padrão de financiamento esgotado nos anos 70).
Dada a magnitude desses problemas macroeconômicos, a solução não pode ser construída no curto prazo. Assim, os novos títulos financeiros representam um aposta no futuro, quando poderão ser colhidos os frutos de persistente e penoso ajuste das finanças públicas brasileiras.4
Data de Publicação: 31/03/2005
Autor(es):
José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor