Café: escassez robustece ciclo de alta nas cotações

            O último trimestre de 2004 evidenciou franca recuperação das cotações do café, especialmente do tipo arábica, à medida que se confirmou que a safra brasileira de 2004/05 deverá apresentar redução média de 20%, além de menor oferta dos países da América Central, Colômbia e mesmo do Vietnã. Assim, começa a constituir-se um ciclo virtuoso de alta nas cotações de café, que deverá contar com o suporte da redução dos estoques nos países importadores e ligeiro aumento no consumo global da bebida.
        Concomitantemente, dependendo da velocidade de crescimento das cotações, espera-se pressão de expansão de novos plantios nas principais zonas de cultivo, com potencial de inibir o ciclo que se inicia. Caso a alta de preços ocorra em ritmo mais lento, é possível prever um ciclo longo de preços médios favoráveis aos cafeicultores brasileiros, capaz o suficiente de induzir a recuperação de suas lavouras e contribuir para a manutenção da participação do País em 30% das exportações mundiais do produto.
        No mês de dezembro, as cotações do produto continuaram em alta em diferentes mercados. Na Bolsa de Nova Iorque, a cotação média do café arábica (Contrato C, segunda posição) aumentou 15,87% em relação à média de novembro de 2004. Já no mercado de robusta da Bolsa de Londres, a alta foi de 18,52%. No mercado de futuros da BM&F, o preço do café arábica subiu 19,05%, influenciado também pela valorização de 2,80% do real, no mês. Considerando o indicador OIC-Composto diário, a alta foi de 13,23% em relação à média de novembro. No gráfico 1, é possível verificar o comportamento das cotações nos últimos 36 meses, com destaque para o último trimestre de 2004.

Gráfico 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros (segunda posição) e do OIC-Composto diário, 2002 a 2004

Fonte: Gazeta Mercantil

            No gráfico 2, as cotações médias de 2004 ainda se encontram distantes das de 2000, excetuando-se o da OIC, se forem analisados os preços médios anuais, em dólar por saca, nos três mercados futuros e o OIC-Composto, a partir de 2000, quando se iniciou o ciclo de baixa.

Gráfico 2 - Preços médios anuais de café, em diferentes mercados futuros e do OIC-Composto, 2000/04

Fonte: Elaborado pelo IEA

            Em dezembro de 2004, a cotação exibida pela BM&F esteve mais pressionada do que a da Bolsa de Nova Iorque. A valorização cambial explica parcialmente esse resultado. De fato, a menor disponibilidade de café fez com os produtores reduzissem o fluxo do produto, com o objetivo de alcançar melhor remuneração mais adiante, trazendo reflexos na vazão de produto para o exterior.
            As cotações dos cafés arábicas, contrato C, para março, na Bolsa de Nova Iorque, exibiram forte alta ao longo do mês, com média de cerca de 15,87% maior que a cotação média de novembro. Nesse período, o diferencial de preço entre o café arábica cotado na BM&F e o Contrato C de Nova Iorque foi de US$ 14,34 por saca, cerca de 5,22% a menos do que o observado no mês de novembro (gráfico 3).

Gráfico 3 - Cotações diárias em dezembro de 2004 na Bolsa de Nova Iorque, para café arábica, Contrato C, segunda posição

Fonte: Gazeta Mercantil

            A evolução dos preços do café nos diferentes mercados em 2004, cotados em dólar por saca, indica que a variação na BM&F, para o arábica segunda posição, foi de 70,73%. No mercado de Nova Iorque, os preços do arábica, contrato C, segunda posição, cresceram 58,06% no ano. Já os preços do robusta no mercado de Londres, segunda posição, tiveram variação acumulada de apenas 18,52%, no mesmo período. A estimativa do OIC-Composto apresentou crescimento acumulado de 47,13% em 2004, fortemente influenciado pelos preços do arábica. Essas variações nas cotações indicam que o produto se encontra em novo ciclo de alta.
            O cafeicultor paulista também foi favorecido pelas altas observadas no mercado internacional. O preço médio de dezembro aumentou 15,30% em relação ao preço médio observado em novembro. A trajetória dos preços de café recebidos pelos produtores, em reais, nos últimos 12 meses, aponta para uma alta acumulada no ano de 62,92% (gráfico 4).

Gráfico 4 - Preços médios mensais recebidos pelos produtores de café arábica, Estado de São Paulo, 2001/04

Fonte: Instituto de Economia Agrícola

            Ao analisar os preços médios anuais recebidos pelos produtores paulistas, verifica-se, no caso do café arábica, em preços correntes e a preços de 2004 (corrigidos pelo IPCA), que os valores de 2004 são 11% inferiores aos de 2000, enquanto os preços médios recebidos em 2004 se encontram em nível superior ao de 2000, em valores nominais (gráfico 5)

Gráfico 5 - Preços médios anuais (preços correntes e em valores de 2004) recebidos pelos cafeicultores, Estado de São Paulo, 2000/03

Fonte: IEA 

Equivalência produto: tese frágil

            Propagado por lideranças da cafeicultura, retornou ao debate a desgastada proposta de amortização dos financiamentos com base na equivalência produto. Ou seja, na época da contratação o empréstimo é convertido em determinado número de sacas pela cotação do dia. Assim, o compromisso do cafeicultor é o de quitar o financiamento com o valor apurado pela venda daquele mesmo número de sacas.
            Esse tipo de proposta foi muito debatida a partir de meados dos anos 80, concluindo-se em geral pela inexeqüibilidade. Os mercados de commodities são sumamente voláteis, apresentando elevadas flutuações nas cotações em períodos bastante curtos. Essa característica restringe as possibilidades de que uma política pautada pela equivalência produto alcance êxito, pois tanto o agente financeiro quanto o cafeicultor podem arcar com prejuízos, a depender do sentido da movimentação dos preços no momento da quitação dos empréstimos. Ademais, trata-se de uma alternativa em que o risco do negócio desaparece, sendo esse aspecto rejeitado pelo mercado.
            Mesmo para as CPRs, instrumento mais sofisticado de comercialização do que a equivalência produto, ocorrem rescisões unilaterais de contratos, diminuindo a credibilidade da modalidade de comercialização. O que dizer, então, da equivalência produto, em que os cafeicultores teriam o maior interesse em honrar o financiamento em momentos que o produto estivesse depreciado e em protelar o pagamento em períodos e cotações em alta? Do ponto de vista do agente financeiro, a perspectiva é inversamente proporcional à do cafeicultor e disso resulta a inexeqüibilidade da proposta.
            Ainda que fosse criado um título garantidor da operação que pudesse servir de hedge nas bolsas, acreditamos que não se deve arriscar na equivalência produto. Atualmente, existem dezenas de formas de comercialização (futuro, opções, antecipação com participação limitada nas altas, CPR física e financeira, contratos diretos com torrefadores e exportadores; vendas para nichos, entre outras). O leque já é suficientemente amplo, possibilitando cafeicultores experientes substituir a posição de tomador passivo de preços para uma em que ele próprio define o valor de seu produto.

Passividade do Governo Federal custa caro

            O Congresso dos Estados Unidos tem pressionado a Bolsa de Nova Iorque, para que não autorize negócios envolvendo cafés lavados brasileiros nessa praça1. Por iniciativa de lobby constituído por colombianos, mexicanos e centro-americanos, a tese de combate ao narcotráfico por meio de valorização do café dessas regiões fez eco no parlamento norte-americano em prejuízo dos cafeicultores brasileiros.
            No País, são colhidos em média dois milhões de sacas de café lavado, capaz de rivalizar com supremos colombianos ou antigüas gatemaltecos. Esses cafés possuem elevada reputação e são disputadíssimos por importadores que já conhecem essa alternativa de suprimento para composição de seus blends, pagando por ela substanciais ágios de preços.
            Esse aspecto é uma realidade na cafeicultura brasileira e o avanço para a comercialização na Bolsa de Nova Iorque, apenas uma ratificação daquilo que mercado já percebeu. Essa postura prescinde do questionamento sobre a duvidosa eficácia do combate ao narcotráfico por meio de protecionismo à cafeicultura nortenha.
            Caso a Bolsa de Nova Iorque permaneça com a posição de veto ao café lavado brasileiro, rompe-se um dos preceitos mais substanciais de uma bolsa de valores que é sua liberdade da ação governamental e de poder de monopólios. No mercado futuro, negociam-se incertezas com relação ao futuro e, quando essas são eliminadas pela ação governamental, desaparecem as condições favoráveis para o bom funcionamento dos mercados, que não mais refletem posições de oferta e procura2.
            Diante desse casuísmo, o Governo Federal deveria, por intermédio de sua diplomacia, rechaçar tal mobilização e empenhar-se pela consolidação de um novo tipo de contrato para cafés lavados brasileiros. A formalização dessa transação conferiria maiores oportunidades para cafeicultores brasileiros sem prejudicar qualquer outro país competidor. Ademais, seria um reconhecimento de todo o esforço dos técnicos e produtores em melhorar continuamente a qualidade da bebida e ampliar o leque de bebidas que somente o Brasil é capaz de oferecer.

Educação para a comercialização

            Com o início de novo ciclo de alta, ocorre uma acomodação tanto dos gestores das políticas para o café quanto, inclusive, dos produtores. Caso houvesse inteligência nesse setor, esse seria o momento de reforçar políticas bem-sucedidas com a finalidade de educar e profissionalizar o segmento.
            Restam ainda em estoques da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)3 cerca de 400 mil sacas de café adquiridas nos leilões de oferta de contratos de opções. Com essa iniciativa, além de conter quedas ainda mais acentuadas nos preços, o Governo Federal poderá até entesourar-se quando resolver comercializar esse produto. Essa folga de recursos poderia dar suporte ao relançamento dos contratos de opções, com o intuito exclusivo de trazer mais cafeicultores para esse mercado.
            A política poderia ter por base um volume pequeno, digamos 500 mil sacas, e os contratos de até 150 sacas serem direcionados fundamentalmente para cafeicultores familiares e de porte médio. Com isso, progressivamente, vai se criando uma nova cultura comercial para o café, sendo esse um aspecto que, reconhecidamente, ainda não atingiu um estágio suficientemente sofisticado e necessário diante dos desafios que a sociedade contemporânea apresenta para os agricultores.4
 

1 Rolf Kuntz, Jornal Estado de São Paulo, 16/12/2004
2 Maiores detalhes consultar: SILVA NETO, S.P. Mercado futuro de boi gordo FNP-Boetim pecuário semanal. São Paulo, 25/04 a 01/05/2002
3 CONAB: www.conab.gov.br
4 Artigo registrado no CCTC/IEA sob o n. HP-02/2005

Data de Publicação: 06/01/2005

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor