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Café: a âncora robusta e a nova barreira sanitária
Gráfico 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes
mercados de futuros e do OIC-Composto diário, 2002 a 2004
Na Bolsa de Nova Iorque, o café arábica (Contrato C, segunda posição) apresentou
alta de 1,02% na cotação média do mês, em relação à média de setembro de 2004.
Já na Bolsa de Londres, a queda no preço do robusta foi de 8,17%, o único
produto com esse comportamento, em função do aumento da oferta vietnamita. No
mercado de futuros da BM&F, a alta do arábica foi de 4,28%, influenciada
também pela valorização de 0,18% do real no mês. No caso do indicador
OIC-Composto diário, observou-se queda de 1,16% em relação à média de setembro,
devido ao recuo na cotação do robusta. No gráfico abaixo, é possível verificar o
comportamento das cotações nos últimos 34 meses (gráfico 1).
Fonte: Gazeta Mercantil
Assim,
percebe-se que a taxa exibida pela BM&F esteve mais pressionada do que a da
Bolsa de Nova Iorque. A valorização cambial explica parcialmente esse fato.
Entretanto, houve forte dificuldade em honrar contratos de CPR por
desqualificação do tipo contratado (o excesso de chuvas manchou os grãos
prejudicando sua apreciação visual de tipo), o que reduziu a oferta de café para
a exportação, afetando as cotações na BM&F.
As cotações dos cafés arábicas, contrato C, para março, na Bolsa de Nova Iorque,
exibiram forte flutuação ao longo do mês, com cerca de 1,02% superior à cotação
média de setembro. Nesse período, o diferencial de preço entre o café arábica
cotado na BM&F e o Contrato C de Nova Iorque foi de US$ 14,09 por saca,
cerca de 16% inferior ao observado no mês de setembro (gráfico 2).
Gráfico 2 - Cotações diárias em Setembro de 2004 na Bolsa de Nova Iorque, para Café Arábica, Contrato C, Segunda Posição (Dezembro)
Fonte: Gazeta Mercantil
A
evolução dos preços do café nos diferentes mercados até outubro de 2004, cotados
em dólar por saca, indica variação no ano de 28,76% para o arábica, segunda
posição, na BM&F, enquanto nos últimos 12 meses a variação acumulada foi de
28,87%. No mercado de Nova Iorque, os preços do arábica, contrato C, segunda
posição, cresceram 23,07% no ano e 21,37% no acumulado de 12 meses. Já os preços
do robusta no mercado de Londres, segunda posição, apresentaram variação
acumulada negativa de 14,58% no ano e de 15,03% nos últimos 12 meses. A
estimativa do OIC-Composto foi de crescimento de 16,44% em 2004 e de 18,14% no
acumulado de doze meses, fortemente influenciado pelos preços do arábica. Essas
melhores cotações ainda estão longe das expectativas dos produtores brasileiros
quanto à remuneração de seu produto.
O cafeicultor paulista também foi beneficiado pelas altas observadas no mercado
internacional. O aumento no preço médio de outubro foi de 3,32% em relação ao
observado em setembro. A trajetória dos preços recebidos pelos produtores, em
reais, nos últimos 12 meses, aponta para alta acumulada de 24,24% em setembro
último, em relação a outubro de 2003, e de 24,62% em 2004 (gráfico 3).
Gráfico 3 - Preços médios mensais recebidos pelos produtores de café arábica, no Estado de São Paulo, período de 2001 a 2004
Fonte: Instituto de Economia Agrícola.
A âncora do robusta
Previsões privadas sobre a próxima safra de café do Vietnã indicaram volume a ser colhido, na safra 2004/05 (outubro a setembro), entre 16 e 17,5 milhões de sacas. Imediatamente, o mercado de Londres reagiu a essa informação com depreciação significativa da commodity, o que repercutiu, inclusive, sobre o arábica que, sob o efeito da 'âncora', não exibiu significativa apreciação no período, pois há no mercado relativa escassez desse produto. Por sua vez, a Associação do Café e Cacau do Vietnã (VICOFA) estimou em 13,2 milhões de sacas a produção do país. Essa diferença, de pouco mais de 4 milhões de sacas (obviamente considerando o limite superior da estimativa privada), promoveu sensível baixa nas cotações do produto, a partir de junho deste ano, que acumula perda de US$ 10,74/sc desde então (gráfico 4).
Gráfico 4 - Cotações médias mensais do café robusta, Bolsa de Londres, nov. 2003 a out. 2004
Fonte: Gazeta Mercantil
A produção e, conseqüentemente, as exportações de café do Vietnã devem manter pressionado o mercado. Entretanto, o efeito dos baixos preços recebidos deverá comprometer o volume colhido (falta de investimento na lavoura principalmente de adubação) e a qualidade final do produto, além de reforçar os planos oficiais de ampliar a área cultivada com arábica em detrimento da ocupada com robusta. Assim, uma postura mais conservadora quanto à safra vietnamita não é de todo descabida.
Nova restrição sanitária
A partir de 2005, o Brasil deixa de possuir a cota de café solúvel no mercado da União Européia (UE), conquistada após acordo que interrompeu um processo judicial que daria elementos à abertura de painel na Organização Mundial do Comércio (OMC)1. Nãobastasse esse retrocesso, os
europeus levantam o problema da presença de ocratoxina nos cafés
industrializados. A instrução européia estabeleceu limite de 5 microgramas de
ocratoxina por quilo do café torrado e moído e de até 10 para o mesmo volume de
solúvel. Essa já aguardada decisão preocupa os países exportadores, por
entenderem que tal restrição é mais uma medida de cerceamento do mercado europeu
para os produtos com maior valor agregado.
A ocratoxina é uma substância formada a partir da atividade biológica de
diversos fungos que subsistem em cereais, frutas secas e café, notadamente,
aqueles que são submetidos a pós-colheita e armazenagem inadequadas (camadas
altas no terreiro e produto mofado). O café em coco não é o substrato
preferencial para as raças de fungo potencialmente produtoras da toxina, mas
pode haver esse risco sob situações específicas. O efeito prejudicial da
ocratoxina para a saúde humana (carcinogênia) é fator de preocupação das
autoridades que zelam pela segurança dos alimentos e deve ser regulamentado.
Todavia, a toxina pode ser encontrada no malte, nas frutas secas e numa série de
produtos alimentares típicos da tradição alimentar européia, que ainda não
regulamenta com a mesma firmeza os produtos elaborados em seu território.
Caracteriza-se, desse modo, uma postura arbitrária e prejudicial, por parte dos
europeus, aos interesses dos países que buscam agregar valor a sua pauta de
exportação.
No Brasil, os estudos sobre a ocratoxina intensificaram-se somente nos últimos
cinco anos. Nesse sentido, foi criado um protocolo que normatiza as análises
laboratoriais para detecção da contaminação. Em geral, os cafés naturais
brasileiros contêm nível de ocratoxina em quantidades abaixo das estipuladas
pela regulamentação européia (em média, entre 0,2 e 5,5 microgramas por quilo de
café verde), que deve causar forte impacto sobre as exportações de países onde
os cinturões produtores encontram-se em zonas equatoriais úmidas. De qualquer
modo, o respeito a essa norma trará mais uma despesa para os industriais
brasileiros que buscaram no mercado internacional uma possibilidade de colocação
do produto, pois terá de ser acompanhada por laudo de laboratório certificado
internacionalmente (no caso, o do Ministério da Agricultura em Belo Horizonte).
O questionamento dessa deliberação européia surgirá cedo ou tarde. Muitos países
não possuem condições laboratoriais para detecção da ocratoxina nos níveis
estipulados. Os importadores, temendo a rejeição de café verde por parte da
indústria, tomarão precauções antes de ratificar o embarque. Enfim, todo o
mercado de café, sobretudo os países produtores, terá de absorver mais um custo
de transação, com discutíveis benefícios para os consumidores europeus, uma vez
que o café não se constitui na única fonte dessa toxina na dieta humana.
1 OMC: www.wto.org
Data de Publicação: 10/11/2004
Autor(es):
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor