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Lucro na cafeicultura: miragem ou concreta possibilidade?
TABELA 1 – Custo operacional
total por perfil de cafeicultor safra 2003/04 (em R$) 7.450,12 232,81 5.081,19 145,16
Não foram poucos os cafeicultores que alienaram parcela de seu patrimônio ou
partiram para a diversificação da produção como forma de se manter na
cafeicultura e até, se possível, efetuar novos investimentos na lavoura tanto em
tecnologia agronômica quanto em qualidade final da bebida. Acreditavam,
assim,que, vencido o ciclo depressivo, uma nova fase de recuperação se
aproximava e seria portentosa e de grande proveito para aqueles que mantivessem
seu parque cafeeiro preparado para responder com elevadas produtividades.
Entretanto, para desespero de muitos, a crise de baixos preços persevera. A todo
momento surgem 'notícias' de que volumes recordes de colheita serão obtidos
nesse ou naquele país. Nesse instante, toda a movimentação na Bolsa de Nova
Iorque pauta-se pela intensidade e uniformidade da florada brasileira e pelo bom
regime de precipitações nos principais cinturões cafeeiros do País. Poucos,
porém bem informados, sabem que a frutificação das flores depende de inúmeras
variáveis, notadamente as que se refletem no estado nutricional e sanitário das
plantas.
Neste contexto, justifica-se a pergunta sobre a possibilidade efetiva em
alcançar lucratividade na cafeicultura. Nos fóruns especializados em que
prevalecem os agrônomos conhecedores dessa cultura, o debate sobre a renda do
cafeicultor quase nunca aparece, predominando os temas ligados à produtividade e
às novas tecnologias que possam ser introduzidas no manejo.
Porém, na realidade, o que se observa junto aos cafeicultores com os quais se
trava rotineiramente contato é a enorme dificuldade em incrementar cada real
aplicado na lavoura. Há de ser um cafeicultor de primeira linha para conseguir
cinco centavos de vantagem em cada real aplicado. Muitos consideram que, ao
simplesmente empatar, suas receitas com o custo operacional já estão de bom
tamanho.
O conceito de custo operacional possui diversas dimensões. Para um cafeicultor
empresarial (aquele que possui empregados permanentes dedicados à atividade),
essa despesa diferencia-se em muito daquela de quem conduz a propriedade com
mão-de-obra familiar (depende de trabalhadores avulsos somente em picos de
demanda como a colheita). Nessa perspectiva, são apresentados dois casos
representativos da diversidade de custo que pode ser encontrada em situações
reais de campo (tabela 1).
Os perfis selecionados apresentaram custos diferenciados de R$ 190,26 por saca e
de R$ 145,16/sc, respectivamente para os tipos empresarial e familiar. A
interpretação dos resultados demanda algum cuidado pois, para ambos talhões
pesquisados, o custo alcançado não reflete um custo médio, uma vez que foi
calculado tomando por base unicamente as despesas efetuadas em ano de alta
dentro do ciclo de produção bienal da cultura. Levando em conta as despesas para
a produção em ano de baixa, certamente se teria um custo representativo da média
bastante maior.
Item Depreciação da lavoura (15 anos) Mão-de-obra (com colheita manual) Insumos (fertilizantes e defensivos) Operação de máquinas e equipamentos Depreciação, juros e custos fixos Outros custos (administração e
encargos) Custo total Produção obtida (café natural)
Fonte: Cafeicultores que utilizam a metodologia de levantamento de custo do IEA.
No
terceiro trimestre de 2004, época em que os primeiros lotes da safra começam a
ser comercializados, a média do preço recebido pelos cafeicultores paulistas
para o tipo 6 bebida dura, contabilizada pelo IEA, foi de R$183,17/sc. Isto
significa prejuízo de R$49,64/sc para o cafeicultor empresarial e lucro de
R$38,01/sc para o familiar.
Para a safra 2004/05, estima-se que deverá ocorrer um aumento entre 20% e 25% no
custo de produção de café na região de Varginha (MG), considerando os principais
itens de despesa na sua composição . Esse crescimento, se mantido o atual nível
de preços recebidos pelos cafeicultores, deverá agravar ainda mais o quadro de
prejuízos acumulados, inclusive para os produtores de tipo familiar.
Em maio deste ano, o custo total de produção (produtividade de 30 sacas) foi estimado em R$ 220,83/sc para aquela região mineira na safra 2004/05, enquanto em setembro último a Cooperativa de São Sebastião do Paraíso calculou o custo em R$ 246,30/sc, com base na mesma produtividade. A similaridade entre os custos encontrados pressupõe
relativa consistência dos levantamentos e, portanto, confiabilidade das
informações, embora existam diferenças nas metodologias utilizadas na apuração
desses valores.
Entre os analistas de mercado, forma-se um consenso de um cenário bastante
provável de expansão positiva para as cotações de café na safra 2004/05. A
escassez de cafés de qualidade, notadamente do tipo arábica, e o declínio dos
estoques nos países consumidores, associado ao aumento do consumo em regiões
não-tradicionais (Leste Europeu e Ásia), conferem relativa segurança para esse
desiderato, a menos que se confirme o prognóstico de supersafra de robusta no
Vietnã.
Mesmo tomando esses fatos em conta, é legítima e até recomendávela adoção de
posturas conservadoras quanto ao investimento nas lavouras, uma vez que a
incerteza e o risco são fundamentos intrínsecos a qualquer mercado,
especialmente o de commodities. No entanto, é totalmente arbitrário definir o
que seria uma administração conservadora em termos de investimento no manejo da
lavoura.
A adubação nitrogenada, com adição dos micronutrientes zinco e boro, contribui
na mantença da estrutura da planta. Em termos de pulverizações, o controle da
ferrugem com produtos cúpricos é igualmente necessário. Outras doenças e pragas
podem ser combatidas a partir de procedimentos agronômicos tais como (a) a
realização de inspeções para detectar o nível de dano e (b) o tratamento
imediato de reboleiras em que o ataque se mostrou mais intenso.
Quanto ao controle de invasoras, seu manejo com trinchas e roçadeiras é a forma
de manter o solo coberto e incorporar matéria orgânica, mostrando-se mais
produtivo que a dessecação com o uso de herbicidas. Por fim, muitos
cafeicultores ignoram que práticas como uma boa desbrota, associada ao decote de
ponteiros, embora fundamentais, em si mesmas representam quase que uma adubação
adicional para a lavoura. Tratam-se de práticas de baixo custo com repercussões
favoráveis na produtividade das plantas.
No cerrado mineiro e baiano, a prática da irrigação é uma necessidade
fundamental. A adoção dos padrões de irrigação, consumidores de vultosos volumes
de água e conseqüentemente de energia, expõe essa cafeicultura a um quadro de
insustentabilidade, mesmo que em sua defesa sejam apresentados os elevados
níveis de produtividade dos quais se orgulham seus adeptos. A migração para
sistemas como o gotejamento e a microaspersão, entre outros poupadores de água,
formará o cerne das decisões desses cafeicultores.
A adoção dessas práticas contempla apenas uma parte dos custos, mas a parcela
principal que envolve a colheita carece de solução global. No caso dos
produtores empresariais, há clara orientação pela mecanização dessa etapa,
reservando para a mão-de-obra apenas o repasse e a varrição. Alguns estudos
evidenciam que, com a mecanização da colheita, o custo desse procedimento pode
ser reduzido em 30% quando comparado com o trabalho manual. Tal possibilidade
não é plausível para áreas montanhosas, que representam aproximadamente 35% das
lavouras brasileiras.
No caso dos cafeicultores de perfil familiar, a redução das despesas com a colheita e a administração permite melhor acomodação frente aos preços praticados. Com isso, pode se esperar
desses cafeicultores maior predisposição para realizar maiores aportes nas suas
lavouras.
A etapa de pós-colheita e preparo do café também pode encarecer bastante o custo
final do produto. Um trabalho bem realizado no terreiro repercute em menor
despesa com os secadores; os tocados a lenha mostram-se mais econômicos quando
comparados com os que usam diesel e gás, embora o cheiro e o gosto de fumaça
possam passar para os grãos caso esse equipamento seja utilizado de forma
desleixada. Nesse sentido, pode-se aceitar que investimentos na ampliação e/ou
melhoria do terreiro sejam efetuados, pois isso repercute favoravelmente na
etapa seguinte de preparo dos grãos. Investimentos dessa natureza podem resultar
em melhor classificação da bebida e, conseqüentemente, do preço recebido
relativo ao tipo do produto. O diferencial de R$ 20,00 entre a bebida dura e a
riada, por exemplo, pode se traduzir em resultado favorável ou prejuízo.
Por fim, recomenda-se um planejamento da comercialização. Talvez seja a área comercial que mais careça de profissionalização dos cafeicultores. Uma estratégia seria o produtor
contratar uma CPR em setembro para 30% de sua produção (embora no sistema
financeiro apresente elevado custo financeiro), garantindo com isso o manejo
nutricional e fitossanitário da lavoura; outros 30% seriam vendidos no mercado
de opções para cobrir despesas com a colheita e preparo. Os demais 40% podem ser
utilizados numa estratégia especulativa, aguardando melhores preços para
realização das vendas.
Em termos estatísticos, os preços do café tendem a exibir melhores cotações
entre dezembro e janeiro. De qualquer modo, o mais relevante é respeitar a
estratégia traçada, pois nisso consiste o resultado médio obtido pelo
empreendimento.
Uma real profissionalização da cafeicultura somente será alcançada quando as
tecnologias agronômicas estiverem relacionadas com os resultados econômicos
esperados. Nesse sentido, o caminho para pesquisas ainda é extenso, sem que se
possa contar com número de pesquisadores suficiente para abordar a problemática
a médio prazo.
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Data de Publicação: 08/11/2004
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor