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Segurança rural, aumento do custo Brasil e violência no campo
A sociedade brasileira vem sendo abalada pela evolução sistemática da violência.
O noticiário da grande imprensa revela dois fatos marcantes: o absoluto sucesso
dos agronegócios e o crescimento da criminalidade que aumenta a
insegurança. Tabela 1- Riqueza agropecuária e nº de presos, São Paulo,
1995-2003
A população carcerária evoluiu num ritmo maior do que o principal negócio da
economia nacional. Como reflexo da escalada da violência, a situação, mais que
dramática, se revela preocupante. Isto porque os gastos públicos em segurança
pública crescem mais do que a riqueza, caminhando para um estrangulamento
incontornável. 1 MENDES, VANNILDO Infopen: a aposta para o sistema prisional O Estado de São Paulo de 16/08/2004. www.estadao.com.br.
É importante estampar os paralelos entre esses fatos, não numa relação de
causa-efeito entre o desenvolvimento dos agronegócios e o aumento da
criminalidade, mas para realizar uma reflexão mais ampla sobre o modelo de
sociedade que o Brasil está construindo. Nessa discussão não há como não inserir
o modelo de desenvolvimento dos agronegócios, visto que, como principal setor
econômico de economias continentais como a brasileira, com certeza estará no
centro do debate.
No Estado de São Paulo, o paralelo entre o crescimento da riqueza agropecuária e o do número de presos, no período 1995-2003, mostra resultados preocupantes. O valor da produção agropecuária cresceu 44% no período 1995-2003 e o número de presos aumentou 110% (tabela 1). O segmento
agropecuário dos agronegócios vem apresentando maiores taxas de crescimento do
que a média da economia, constituindo-se no principal negócio da economia tanto
paulista quanto brasileira.
(1) Em R$, calculado pelo IEA APTA, valores
constantes médios de 2003 pelo IPCA/FIBGE. Ano
(2) www.admpenintenciaria.sp.gov.br/Estatísticas/População.png.
Esse fato está na raiz da redução de investimento do Estado. 'Os dados atualmente disponíveis, defasados e pouco precisos, indicam que o déficit de vagas nos presídios brasileiros mais do que dobrou..., passando de 57 mil em 2002 para 116 mil em 2003. O agravamento da situação decorre do aumento substancial do número de presos, que passou de 239 mil em 2002 para 307 mil em 2003, combinado com um crescimento medíocre na oferta de vagas. O número de celas subiu de 182 mil para 191 mil, a menor variação desde 1995'¹
As reflexões pouco têm contribuído, encaminhando soluções que rumam para o aumento do efetivo policial e a ampliação do sistema prisional, numa reafirmação da mesmice de 'que é fundamental acabar com a impunidade'. Mas, afinal, quem são os punidos? O Censo Presidiário do Estado
de São Paulo mostra que 75% dos presos têm entre 18 e 34 anos, estando no auge
da capacidade produtiva, e igual número freqüentou apenas o ensino fundamental,
além de 6% de analfabetos.
Metade dos presos não é originária da Capital. Esse quadro fixa bem o perfil da
exclusão social brasileira. O avanço do problema compromete o próprio fluxo de
investimentos capaz de gerar oportunidades de inclusão social. Não existem
sequer recursos suficientes que propiciem padrões de segurança que não afugentem
investimentos.
A equivocada separação campo-cidade tem colocado a questão da explosão da violência muito longe das análises que costumam pontuar o extraordinário desenvolvimento dos agronegócios brasileiros. Essa questão seria irrelevante onde 'os latifúndios se modernizaram transformando-se em grandes empresas eficientes e modernas', como mostram sucessivas
supersafras. Mas a reflexão deve ser feita sem paixões imediatas.
O Brasil empreendeu profundas transformações estruturais da economia num curto espaço de 40 anos. A população de maioria rural passou a ser de maioria urbana e também a miséria, antes concentrada no campo, passou a se concentrar nas cidades. Os excluídos do campo da orla dos latifúndios deslocaram-se 'sem eira nem beira' para a periferia das cidades. O
processo de urbanização revela-se a face real na urbanização da miséria.
Essa constatação nos remete ao debate da questão agrária dos anos 70s. De um
lado, os defensores da reforma agrária prévia ao processo de industrialização
como condição da construção da modernidade rural e, de outro lado, os que
apostavam na modernização a mercado sem reformas estruturais, que implicava na
modernização do latifúndio². Venceram os últimos, para quem a modernização
agropecuária liberaria gente que seria absorvida no processo de desenvolvimento
industrial. Outra função da agricultura seria ofertar alimentos baratos para
reduzir as pressões do custo de vida sobre os salários urbanos.
Passadas quatro décadas, os alimentos foram barateados, mas os prometidos
empregos urbanos não se concretizaram, gerando uma realidade de fome na
abundância de alimentos, em que a miséria urbanizada produz violência. Para usar
o jargão teórico, resolveu-se a questão agrícola, mas não a questão agrária,
empurrada para o 'baixo do tapete' formado por favelas, cortiços e outras formas
de aglomeração da miséria urbana.
Maiores custos penitenciários e de repressão implicam no incremento dos custos de produção e de transação, uma vez que implicam em maior carga tributária e com isso em maior Custo Brasil, porque requer maiores receitas públicas para fazer frente a crescentes custos de ampliação e manutenção do sistema prisional. Mais ainda, maior exclusão social nos
centros urbanos requer valores cada vez maiores de aplicação em políticas
compensatórias como as de distribuição de alimentos.
Enfim, numa realidade de esgotamento do padrão de financiamento do setor público
pelo tamanho da dívida pública e numa condição em que os precatórios da dívida
social estão sendo cobrados na marra pela violência urbana e custos prisionais,
sobra muito pouco espaço para políticas alavancadoras da competitividade, como
as políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação. Mas esse padrão de
violência, antes restrito às cidades, vem se alastrando pelo campo brasileiro
que também vem sendo diretamente cobrado da promissória da questão agrária não
resolvida.
A violência urbana agora vai ao campo. O estilo de vida rural, pacato, num amplo paraíso, em contato com a natureza e de casa de portas abertas, é cada vez mais coisa do passado. A produção agropecuária, ao se transformar, tornou-se extremamente profissional numa linha de produção pelo uso crescente de máquinas, equipamentos e insumos. Mas essa é apenas a face produtiva das mudanças do modo de vida no campo, que nos últimos anos vem sendo 'urbanizado' com o aumento de problemas antes
circunscritos às cidades.
A violência no campo, que ganhava destaque na história brasileira, era
relacionada aos conflitos agrários, nos episódios de invasão de terra e de
mortes de lideranças sociais. Atualmente, as invasões dos sem terra ainda
aparecem como a face mais problemática da violência no campo. As invasões de
terras produtivas provocariam a retração dos investimentos produtivos,
comprometendo a continuidade do processo de expansão dos agronegócios. A
segurança jurídica com respeito integral aos contratos representa um dos pilares
da formação de expectativas favoráveis aos investimentos. E nos agronegócios,
nos quais a terra representa um papel essencial, as decisões econômicas são
tomadas com base nesses parâmetros.
Entretanto, na violência do campo nem tudo é conflito agrário. O conflito
agrário, tomado na sua conformação de acesso à terra, implica numa solução que
vai além do controle das invasões, uma vez que há que se abrir oportunidades de
inclusão social para os integrantes do movimento social, com acesso aos
benefícios do processo de desenvolvimento.
Mais grave em algumas regiões é a criminalidade rural, pelo roubo de meios de
produção, típica das regiões de agronegócios mais desenvolvidos, impactando as
propriedades mais produtivas. Nas regiões de agronegócios desenvolvidos,
ampliam-se os casos de roubos de tratores, colhedoras, implementos e animais³. O
combate a esse tipo de crime torna-se difícil pela inexistência de cadastro
organizado e confiável e também de procedimento padrão de identificação válidos
para todo o território nacional, à similaridade dos automóveis e caminhões cuja
consolidação de cadastro nacional ainda é precária.
No meio rural, o combate a esse tipo de crime se mostra muito mais difícil pela
dispersão geográfica, pelas enormes distâncias entre uma fazenda e outra, pela
inexistência de um sistema geo-referenciado da malha viária rural, que permite
inúmeras conexões de fuga com a passagem de um município a outro sem passar por
postos de policiamento rodoviário das estradas oficiais. Nessa imensidão rural,
meios de produção cada vez mais valiosos, em termos de maquinaria ou animais
melhorados, são crescentemente uma atração para os criminosos, ainda mais porque
há um forte mercado para esses produtos.
Na maioria das vezes, outro agropecuarista compra o produto do roubo com
absoluta certeza de que o anonimato está garantido. Os agropecuaristas solicitam
o aumento do efetivo e da presença da Polícia Militar na zona rural, mas a
grande dificuldade é obter prova material, com a identificação e apreensão do
produto roubado e mecanismos formais que permitam ao verdadeiro dono reivindicar
a devolução do que lhe foi subtraído.
No curto prazo, é importante a estruturação de um sistema público de estradas
rurais geo-refenciadas, disponível para acesso em tempo real pela autoridade
policial, ao mesmo tempo que a evolução dos mecanismos de identificação seja
aplicada aos tratores e máquinas, semoventes ou não, de certidão de propriedade
idêntico ao já existente para veículos como automóveis e caminhões, com códigos
identificadores em locais apropriados, em especial nas peças estratégicas. Esse
cadastro geraria um documento de porte obrigatório para trânsito com
identificação que permita a averiguação e a obtenção de prova material
inquestionável quanto à sua procedência.
Já os animais abatidos são de difícil identificação, a não ser que os mecanismos de rastreabilidade caminhem também para a estruturação de bancos públicos, com identidade do animal fixada pelo exame de seu DNA. A crescente criminalidade rural exige uma mudança cultural do agropecuarista na declaração correta dos bens patrimoniais. As patrulhas rurais podem até ser organizadas, mas representam aumento de custos públicos e com isso a exigência de que mais recursos sejam destinados à segurança. No curto prazo, pode ser um caminho, mas como 'a mesma fábrica do progresso fabrica a questão social'4 no longo prazo, há que se construir
mecanismos estruturais mais consistentes.
2 Na da formulação tradicional de desenvolvimento da agricultura, destaca-se PAIVA, Ruy M. Problemas da agricultura brasileira. Rio de Janeiro, MA/ SIMA, 1954. 121p. Numa perspectiva estruturalista, tem-se RANGEL, Ignácio. A questão agrária brasileira. Recife, Comissão de Desenvolvimento Econômico de
Pernambuco, 1962.
3 Leia-se a excelente matéria de SANCHES, VALDIR. Trator, o novo alvo do crime organizado. O Estado de São Paulo de 1 de setembro de 2004. Na reportagem fica nítida a preferência pelo trator, pois 'roubo de um veículo desses rende quatro vezes mais que o de uma caminionete'.
4 IANNI, Octávio. A Questão Social São Paulo em Perspectiva 5 (1): 2-10,
1991.
Data de Publicação: 28/09/2004
Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor