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Condomínios florestais
O uso da formação de condomínio tem sido lembrado como um mecanismo alternativo para atender à legislação na composição de florestas da chamada Reserva Legal. Esta é uma discussão não muito nova e que esteve em destaque na época do polêmico processo de reforma do Código Florestal, em 2001.
A princípio, todo e qualquer estímulo ao reflorestamento e à recuperação da
cobertura vegetal deve ser bem-vindo, principalmente quando está norteado em uma
tentativa de ajustar os preceitos legais à real conjuntura sócio-econômica em
que estão submetidos os envolvidos; no caso, os produtores rurais.
Do ponto de vista agronômico, não resta dúvida que se deve racionalizar a
ocupação espacial em busca da melhor alocação do recurso terra, destinando ao
cultivo as áreas de melhor característica edáfica e à preservação ambiental
aquelas consideradas marginais, quando avaliadas sob a ótica de um trato
intensivo com vistas à produção de 'commodities' agrícolas. Ou seja, do ponto de
vista de adequação do uso e da conservação do solo baseada nas classes de
capacidade de uso, parece ser racional a destinação de solos mais nobres à
exploração de culturas comerciais e o confinamento das reservas legais a áreas
com vocação florestal.
Do ponto de vista jurídico, o foco principal das discussões tem sido o aspecto da competência legislativa. De acordo com a Constituição Federal, a competência legislativa em matéria florestal entre os entes federados é concorrente (art. 24, VI) e, desta feita, as legislações estaduais não podem ser menos restritivas do que a legislação federal. Assim, a vertente conservadorista (anti-reforma do Código Florestal) condenava a proposta dos condomínios sob o argumento de que o Código Florestal (Lei Federal nº 4771/65), na condição de norma geral, não previa a 'saída' da Reserva Legal da propriedade, não cabendo ao legislador estadual fazê-lo. Todavia, nos parece que a discussão restou superada, uma vez que a medida provisória 2166/01, em vigor, prevê tal possibilidade no parágrafo 11, incorporado ao
artigo 16 do Código Florestal.
O advogado Pinheiro Pedro, especialista no tema, destaca que cada estado brasileiro pode legislar e conduzir a formação de reservas legais de maneira a preservar integralmente biomas ou recuperar o ambiente natural de bacias hidrográficas. De acordo com ele, é necessário reinterpretar o Código Florestal, que não pode ser entendido como uma norma geral, precisando sofrer alterações de acordo com cada região. Ele cita que o Estado do Paraná criou há pouco tempo um modelo incipiente de condomínio de reservas legais. O modelo adotado por este estado, entretanto, é considerado tímido, na opinião do especialista. 'Outro exemplo é o estado de Goiás, que foi um dos primeiros estados da Federação a regulamentar a possibilidade do estabelecimento da Reserva Legal Extra-Propriedade', revela1.
Todavia, é desnecessário elencar aqui os benefícios dos serviços ambientais
gerados pela floresta, principal motivo que levou o Legislativo a elaborar o
Código Florestal, concretizando a necessidade de preservar e/ou recuperar a
cobertura florestal outrora existente. Desta forma, há que se tomar uma série de
precauções ao se privilegiar formas de produção em áreas que deveriam ser
destinadas à preservação, de acordo com o Código Florestal vigente.
Entre os aspectos que devem ser cotejados na adoção de tal medida, podem
destacar-se, a título de exemplificação:
| |
Unir pequenos fragmentos em uma área mais extensa, que sofrerá menor 'pressão do entorno' | Criar condomínios muito distantes entre si, sem qualquer remanescente entre eles, isolando-os geneticamente |
Permitir que áreas mais propensas ao uso agrícola sejam utilizadas em benefício da conservação de outras áreas de maior relevância para conservação | Permitir o contrário, troca de áreas importantes para conservação em termos de biodiversidade, por áreas mais pobres |
Facilitar monitoramento e controle | Permitir o corte raso de uma floresta em estágio avançado, para a formação de um condomínio em estágio inicial |
Estes aspectos terão que ser analisados em cada caso e deverão, uma vez bem solucionados, ser submetidos à aprovação do órgão ambiental, de acordo com os critérios estabelecidos no parágrafo 4º do mesmo artigo 16, para aprovação de Reserva Legal2.
É de se esperar que durante a análise destes aspectos ocorrerá sempre a
contraposição do 'lucro' da iniciativa privada (querendo preservar suas áreas
produtivas) com os custos sociais da preservação ambiental (proteção à
biodiversidade, recursos hídricos, erosão do solo, poluição, etc.). Neste
contexto, será louvável a análise sob a ótica de bacias hidrográficas,
restringindo a troca de áreas aos limites geográficos da própria microbacia e
submetendo possíveis propostas à aprovação dos respectivos comitês de bacias
hidrográficas.
1 Criação de condomínio de reserva legal pode desmotivar invasões de terra. Disponível em:www.ambientebrasil.com.br.
Capturado em 05 de julho de 2004.
2 Parágrafo 4o - A localização da reserva legal deve ser aprovada
pelo órgão ambiental estadual competente ou, mediante convênio, pelo órgão
ambiental municipal ou outra instituição devidamente habilitada, devendo ser
considerados, no processo de aprovação, a função social da propriedade e os
seguintes critérios e instrumentos, quando houver:
I - o plano de bacia
hidrográfica;
II - o plano diretor municipal;
III - o zoneamento
ecológico-econômico;
IV - outras categorias de zoneamento ambiental; e
V - a proximidade com
outra Reserva Legal, Área de Preservação Permanente, unidade de conservação ou
outra área legalmente protegida.
Data de Publicação: 09/09/2004
Autor(es):
Paulo Edgard Nascimento De Toledo (ptoledo@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Thomaz Miazaki de Toledo (thomaz.toledo@mma.gov.br) Consulte outros textos deste autor