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Plano de Contingenciamento ao Combate à Pandemia Covid-19 sobre a Renda da População Rural Paulista, Abril de 2020
Devido à pandemia covid-19 (coronavírus), surgida no
ano de 2019 na China, e alastrada no mesmo país e em outros em 2020, os
governos (federal, estaduais e municipais) têm buscado e adotado medidas
contingenciais no combate ao vírus e às suas consequências na economia, na
sociedade e principalmente, na saúde. Tais medidas emergenciais abrangem campanhas
de incentivo ao isolamento social (suspensão de atividades escolares e
aglomerações de pessoas, e prática de trabalho à distância), vacinação
antecipada aos grupos de risco, proibição de comércio e serviços definidos como
não essenciais e, também, e a mitigação do impacto da pandemia sobre a renda da
população, principalmente sobre os estratos qualificados como mais vulneráveis,
como será descrito na análise a seguir com foco no setor agropecuário paulista. 1
– MEDIDA EMERGENCIAL SOBRE A RENDA DO CIDADÃO O governo federal, ao considerar a previsão de uma
forte crise socioeconômica decorrente da pandemia da covid-19, anunciou em 26
de março de 2020 uma medida emergencial de auxílio econômico à população
brasileira, aprovada pelo Senado no dia 30 do mesmo mês. A partir dessa
decisão, tem a previsão da liberação de auxílio salarial aos trabalhadores
informais no valor de R$600,00 (vouchers ou cupons – atualmente chamado de coronavoucher), por um período de três
meses. Para mãe e pai em condição de chefes de família, e mães adolescentes, esse
auxílio será de R$1.200,00. A estimativa orçamentária prevista pelo governo
federal é de um desembolso mensal de R$98 bilhões para os três meses de
auxílio. O governo federal sancionou o auxílio na tarde do dia 1 de abril,
restando entender como será efetuado o pagamento e a partir de qual data. Critérios foram estabelecidos para utilização do
referido benefício, como: não receber benefícios como aposentadoria, seguro
desemprego ou de qualquer outro programa social, exceto programa Bolsa Família.
Porém, para este programa social, não deverá haver acúmulo; como o auxílio
emergencial será de valor superior, o indivíduo deverá optar, considerando o período de três meses, pelo Bolsa Família ou pelo
auxílio temporário. Adicionam-se à medida a faixa etária superior a 18
anos do beneficiário não ter emprego formal, renda per capita de R522,50 ou renda total familiar até três salários
mínimos (R$3.135,00). Prevê-se também que os rendimentos tributáveis (imposto
de renda ano base 2018) seja inferior a R$28.559,70. Soma-se aos critérios a
condição de que apenas dois membros por família poderão receber o benefício
temporário. Finalmente, o beneficiário deve atender também um
dos critérios a seguir: estar na condição de microempreendedor individual (MEI),
ou ser contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social ou ser
trabalhador informal de qualquer natureza (inclui-se o trabalhador que desistiu
de procurar emprego – desalento), inscrito no Cadastro Único para Programas
Sociais do Governo Federal até 20 de março de 20202. 2 – SETOR AGROPECUÁRIO E BASES
ESTATÍSTICAS Não houve até o momento nenhuma ressalva por parte
do governo federal ao setor agropecuário, aos seus trabalhadores e à população
rural. Dessa forma, valem as mesmas regras operacionais para o benefício
temporário no universo que abrange o setor rural paulista e seu diversificado
mercado de trabalho. Nele estão presentes trabalhadores informais, com
carteira assinada, microempresas, autônomos, os indivíduos que desistiram da
procura do emprego incrementando a população desocupada em situação de
desalento e, tão importante quanto, a agricultura familiar. Este grupo é
responsável por uma média de ocupação no meio rural de duas pessoas por
família. O agricultor familiar que detenha a declaração de aptidão ao Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) (DAP) dispõe do
governo federal de 13 subprogramas de assistência ao produtor, como linhas de
crédito, habitação rural, dentre outros3, pertencentes ao PRONAF. Há
também uma linha emergencial destinada às perdas de produção decorrentes do
excesso de chuvas e que, portanto, não se aplica à recente pandemia relatada4. Estatísticas precisas sobre esse setor ainda carecem
de investimentos e atenção dos governos federal e estaduais, por exemplo, no Estado
de São Paulo, aprimorando levantamentos estatísticos e divulgação de números
oficiais sobre o número de trabalhadores rurais ocupados, desocupados e,
logicamente, a agricultura familiar. Dessa forma, é impreciso ainda avaliar o
número de pessoas ou o montante orçamentário destinado para atender o Estado de
São Paulo no setor agropecuário diante dessa pandemia. Atualmente, informações estatísticas como a Pesquisa
Nacional de Amostra Domiciliar – PNAD contínua (IBGE/PNAD)5,
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS)6 e Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(CAGED)7, ambos do Ministério do Trabalho e Emprego, podem permitir
ilações sobre os impactos dessa medida de auxílio disponibilizada pelo governo
federal. Devido ao tempo de coleta das informações, depuração
e disponibilização aos usuários, cada uma das bases tem periodicidade de
divulgação diferenciada, e todas anteriores à pandemia instaurada no mês de
fevereiro de 2020. Dessa forma, a PNAD dispõe de informações a respeito do último
trimestre de 2019. A RAIS concentra informações de 2018, por ser um censo do
emprego formal em todos os setores econômicos do Brasil e o CAGED, as últimas
informações são de dezembro de 2019 que compõem o último trimestre de 2019.
Nenhuma informação sobre o ano de 2020 foi divulgada pelo CAGED afim de se
prever o impacto sobre o desemprego no setor agropecuário paulista. 3
– IMPACTOS DO BENEFÍCIO SOBRE O SETOR AGROPECUÁRIO PAULISTA Dados da PNAD estimaram para o último trimestre de
2019 um total de 723 mil pessoas ocupadas na agricultura, pecuária, produção
florestal, pesca e aquicultura no Estado de São Paulo. As informações
consolidadas e divulgadas da PNAD por unidades da federação não disponibilizam
o índice de informalidade setorial e, assim, há uma imprecisão sobre o setor
rural paulista (ou outros estados). Essa base contempla também agricultura
familiar e a mão de obra presente no setor. Por outro lado, a agricultura familiar tem papel
significativo na crise socioeconômica instaurada pela pandemia covid-19. A
produção agrícola advinda dos agricultores familiares tem participação
relevante no abastecimento alimentar para o estado paulista, conferindo
alimentos saudáveis nas feiras, nos supermercados e também aos hospitais que
enfrentam tal crise. Em momento de crise e insegurança, a segurança alimentar
pode ser apoiada pela produção da agricultura familiar. Dados censitários do Levantamento de Unidades de
Produção Agropecuária (LUPA) para a safra 2007/08 apontam que a agricultura
familiar está presente em 37,5% das propriedades rurais paulistas, estimadas em
121.812 imóveis rurais e cerca de 230.149 pessoas ocupadas8. Pelo levantamento
mais recente para a safra 2016/17 com dados censitários do LUPA, porém sem
estudo científico disponibilizado, estima-se que essa participação sobre as
propriedades rurais permanece basicamente inalterada. Sobre os trabalhadores formais (com carteira
assinada), recorre-se às estatísticas da RAIS do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), que totalizaram 329,1 mil empregos formais no ano de 2018 no
setor agropecuário. Ainda que não tenham sido divulgados dados atuais para o
ano de 2019, esse setor econômico tem apresentado queda nos últimos anos para o
Estado de São Paulo. A queda registrada entre os anos de 2017 e 2018 foi de
4,1%9. Segundo dados do CAGED10, que sinaliza a
movimentação do emprego formal em relação ao número de admissões e
desligamentos mensais, ocorreram 29.290 contratações contra 56.760 demissões
com carteira assinada no último trimestre de 2019. O saldo de empregos
(admissões menos demissões) é negativo. Contudo, o último trimestre
contabilizado refere-se a um período no setor agropecuário caracterizado pela
baixa demanda de mão de obra, contrário ao período de abril a agosto, com
intensificação de contratações para a colheita. Essas duas bases (RAIS e CAGED)
permitem averiguar a quantidade de trabalhadores que não serão beneficiados
pelo auxílio promulgado pelo governo federal, ou seja, cerca de 330 mil
trabalhadores na situação formal de emprego. A menos que a crise se instaure e
o desemprego ocorra no campo, o trabalhador rural deverá ou poderá se
beneficiar de outros programas, no caso, o seguro desemprego, variável por um
período de três a cinco meses e calculados pelos últimos três meses de salários
recebidos com carteira assinada. Outra questão a ser verificada é se o auxílio de R$600,00
poderia ser suficiente ao cidadão. Uma forma de se verificar é pela média
salarial praticada no último trimestre de 2019 no setor agropecuário. Dados do
CAGED11 para esse período indicam que essa média é de R$1.355,9 por
trabalhador formal. Ainda que a medida atenda somente aos informais, esse é um
bom parâmetro para essa avaliação, indicando que o auxílio é inferior à metade
praticada no mercado de trabalho rural. O melhor valor para o benefício
concedido seria o de um salário mínimo, R$1.045,00, vigente desde fevereiro de
2020. O auxílio atual corresponde a 57,4% do valor do salário mínimo nacional. Com base nessas informações que apresentam 732 mil
pessoas ocupadas, segundo a IBGE/PNAD12, e 329,1 mil trabalhadores
formais da RAIS, da subtração entre esses valores, chega-se à estimativa de
393,9 mil pessoas ocupadas no campo que poderiam, num primeiro momento, serem
beneficiadas por esse auxílio governamental desde que se enquadrem nas
condições previstas e tratadas na primeira seção. Acrescenta-se a população em
desalento, conforme já mencionado anteriormente. Logicamente, após a
verificação de critérios como aposentadorias, máximo de dois membros por
família recebendo o auxílio e dentre outros, o número de pessoas assistidas
será muito reduzido, mas, a princípio, o montante financeiro seria de R$236,3
milhões por mês, totalizando aos cofres públicos R$709,0 milhões em um
trimestre como auxílio emergencial para o setor rural paulista. 4
- CONSIDERAÇÕES FINAIS A pandemia
da covid-19 terá grande impacto no rural paulista devido à grande desigualdade
entre os municípios, cada um com suas especificidades de produção agrope-cuária,
distribuição de renda, níveis de pobreza e capacidade de reação a novos problemas,
como este – uma instabilidade socioeconômica a ser resolvida. Segmentos
como da floricultura e da fungicultura já estão sendo afetados e, certamente,
pessoas serão dispensadas e/ou pequenos produtores vão passar por dificuldades
para se manterem. Por outro lado, há municípios voltados para atividades como
pecuária ou de grãos onde, ao longo do processo produtivo e de colheita, a
ocupação de mão de obra é menor. Enfim, a diferença das atividades agropecuária
terá influência nos municípios. Se já não
era fácil para o trabalhador rural com baixa qualificação estar empregado, com
essa pandemia poderá ser pior. Faz-se necessário agir de maneira eficaz para
minimizar as consequências no mercado de trabalho nos municípios paulistas,
onde poderá haver muitas pessoas em situação de pobreza laboral. O auxílio emergencial disponibilizado pelo governo
federal para atender aos trabalhadores informais é mais do que bem-vindo diante
da crise de saúde pública e socioeconômica decorrente da pandemia da covid-19,
abaixo, porém, do salário mínimo vigente ou da média de salários no setor
agropecuário paulista. Necessário destacar que somente as pessoas que atendem
aos critérios mencionados serão beneficiadas. Os trabalhadores formais,
excluídos do benefício temporário, no caso de agravamento da crise e
crescimento do desemprego, poderão e deverão recorrer ao seguro desemprego,
conforme legislação vigente trabalhista. Quando informações mais recentes forem,
então, disponibilizadas, com mais precisão sobre os impactos dessa medida eles
serão reportados, bem como o impacto da covid-19 sobre os empregos rurais. 3FREDO, C. E. et al. Dimensionando e caracterizando a
agricultura familiar no circuito das frutas, São Paulo. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 5, n. 10.2019. DOI: https://doi.org/10.34117/bjdv5n10-153. 4BANCO CENTRAL DO BRASIL - BBC. Manual do
crédito rural. Capítulo 10 - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf). Brasília: BBC, 2020. Disponível em https://www3.bcb.gov.br/mcr. Acesso em: mar. 2020. 5INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS - IBGE.
Pesquisa nacional de amostra domiciliar – Contínua – 4º. trimestre de 2019. Rio
de Janeiro: IBGE/PNAD, 2020. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?ed 6MINISTÉRIO DO TRABALHO E
EMPREGO - MTE. Relação anual de informações sociais. Programa de
disseminação das estatísticas do trabalho (PDET). Brasília: MET/PDET.
Disponível em: http://pdet.mte.gov.br/. Acesso em: mar. 2020. 7MINISTÉRIO DO TRABALHO E
EMPREGO - MTE. Cadastro geral de empregados e Desempregados. Programa de disseminação das estatísticas do
trabalho (PDET). Brasília: MET/PDET. Disponível em: http://pdet. 8FREDO, C. E.; OTANI, M. N. Caracterização preliminar da
agricultura familiar no Estado de São Paulo. Informações Econômicas, São Paulo, v. 45, n. 6, nov./dez. 2015. 9FREDO, C. E.; FREITAS, S. M. Emprego formal
no setor agropecuário paulista permaneceu em tendência de queda em 2018. Análises e Indicadores dos Agronegócio,
São Paulo, v. 14, n. 11, p. 1-6, nov. 2019. 10Op. cit. nota 7. 11Op. cit. nota 7. 12Op. cit. nota 5. Palavras-chave: covid-19, auxílio
emergencial, setor rural paulista.1Artigo submetido à
Revista AIA no dia 1 de abril de 2020, às 21h14.
2BANCO CENTRAL DO
BRASIL - BCB. Coronavírus: saiba as
regras aprovadas pelo Congresso para acessar o auxílio emergencial de R$ 600.
Brasília: BBC, 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52059036.
Acesso em: 31 mar. 2020.
cao=26895&t=resultados . Acesso em: 30 mar. 2020.
mte.gov.br/. Acesso em: mar. 2020.
Data de Publicação: 02/04/2020
Autor(es):
Carlos Eduardo Fredo (cfredo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Celma Da Silva Lago Baptistella (csbaptistella@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor