Artigos
Novos rumos nas negociações internacionais
Existe segurança alimentar num país quando 'toda a população tem, em qualquer momento, acesso físico e econômico a alimentos seguros, nutritivos e suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências alimentares, a fim de levarem uma vida ativa e saudável'1. 1Extraída da Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial e Plano de Acção da Cimeira Mundial da Alimentação. NAÇÕES UNIDAS. FAO, 1996. Disponível em: http://www.fao.org/docrep/003/w3613p/w3613p00.htm
(acessado em 12/04/2004).
No caso brasileiro, e a exemplo dos demais países em desenvolvimento, os grandes desafios na área de segurança alimentar são erradicar a pobreza e a fome para garantir o acesso de parcela expressiva de sua população aos alimentos. Programas com caráter emergencial ou suplementar dirigidos a grupos populacionais específicos têm sido implementados ao longo dos anos2, mas não são suficientes para resolver
definitivamente o problema, que é muito mais de acesso do que de disponibilidade
de alimentos e exige uma política efetiva de redistribuição de renda.
No entanto, como grande exportador de alimentos e produtos agrícolas o país não pode se eximir de atentar para a nova configuração do comércio internacional orientada pela segurança sanitária dos alimentos, sob o enfoque de cadeia produtiva. Isso porque, inicialmente tratada através de legislações nacionais independentes, a partir de 1995 passou a ser regulamentada internacionalmente pela Organização Mundial do Comércio (OMC), através do Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS), e em 2003 adquiriu respaldo da Organização para a Agricultura e a Alimentação das Nações Unidas (FAO) e da Organização Mundial de Saúde (OMS)3. Portanto, não é
demasiado afirmar que o acompanhamento de todas as etapas de produção e seu
registro (rastreabilidade) irá constituir-se em diferencial de competitividade,
principalmente nos mercados de países desenvolvidos.
Nesse sentido, importantes medidas reguladoras foram implementadas no período recente que, de modo geral, apresentam abrangência limitada, pois se destinam à regulamentação de segmentos alimentares específicos como, por exemplo, o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (Sisbov) e a Instrução Normativa Conjunta n° 009, de novembro de 2002, pela qual torna-se obrigatória a rotulagem, para identificação dos produtos hortícolas (frutas e hortaliças) 'in natura', não processados e colocados à disposição para comercialização4. Comparada às regulamentações que estão sendo implementada nos países desenvolvidos5, e até mesmo recomendada pela FAO e OMS6, torna-se evidente a necessidade de uma postura
mais agressiva do governo para assegurar (criar) uma legislação alimentar ampla
e de caráter nacional.
Esse argumento é reforçado pela decisão histórica tomada pelo Comitê de Arbitragem da OMC, em 26 de abril de 20047, de condenar os subsídios americanos à produção de algodão, que se elevaram de US$ 1 bilhão em 1995 para US$ 3,6 bilhões em 20038, em resposta a ação impetrada pelo Brasil. De acordo com o professor da Universidade da Califórnia Daniel Summer, citado por Celso Ming em sua coluna no caderno de Economia do jornal O Estado de S. Paulo de 28 de
abril de 2004, sem esses subsídios a produção americana de algodão teria sido
28,7% menor; as exportações, 41,2% mais baixas; e os preços internacionais,
12,5% mais elevados, considerado o período de 1999 a 2002.
Isto porque pela primeira vez uma contestação sobre subsídios agrícolas é aceita na OMC e deverá abrir jurisprudência para outras ações contra essa prática, utilizada principalmente por EUA, Comunidade Econômica Européia e Japão. Além disso, fortalecerá a posição defendida pelo Grupo de Cairns e pelo G-209 pelo fim do protecionismo agrícola na atual Rodada
de Negociações (Rodada de Doha). Ou seja, no médio prazo, deverão perder força
os instrumentos tradicionais para defesa e sustentação da produção agrícola
nacional e, até por pressões que ocorrerão dos grupos afetados, deverá ganhar
espaço o emprego de barreiras não-tarifárias, dentre as quais a segurança
sanitária se destaca.
2 O mais recente é o Programa Fome Zero do Governo
Federal.
3 NAÇÕES UNIDAS. FAO. ÉTUDE FAO ALIMENTATION ET NUTRITION 76. Garantir la Sécurité Sanitaire et la Qualité des Aliments.: directives pour le renforcement des systèmes nationaux de controle alimentaire. FAO et OMS, 2003. Disponível em: http://www.fao.org/DOCREP/006/Y8705F/y8705f00.htm
(acessado em 12/04/2004).
4 A consulta sobre a legislação brasileira pode ser realizada no site do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. http://www.agricultura.gov.br
5 Ver, por exemplo, o documento Actividades da União Européia: sínteses da legislação. EUROPA, 2003. Disponível em: http://europa.eu.int/scadplus/leg/pt/lvb/f80000.htm
6NAÇÕES UNIDAS. FAO/OMS. ÉTUDE FAO ALIMENTATION ET NUTRITION 76. Garantir la Sécurité Sanitaire et la Qualité des Aliments.: directives pour le renforcement des systèmes nationaux de controle alimentaire. FAO et OMS, 2003. Disponível em: http://www.fao.org/DOCREP/006/Y8705F/y8705f00.htm
7O relatório final do
painel deverá ser apresentado em 18 de junho, a partir do qual a OMC terá um mês
para que o texto seja traduzido e divulgado para seus membros. Haverá, então um
período de 20 a 60 dias para que o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) adote
formalmente o relatório. Contudo, antes do relatório final ser adotado, os
Estados Unidos da América poderão recorrer ao Órgão de Apelação, o que é
praticamente certo e, nesse caso, a decisão final poderá levar ainda de 60 a 90
dias para ser emitida, mas dificilmente será revertida.
8 De 1995 a 2003, o total
de subsídios agrícolas destinados aos produtores norte-americanos elevou-se de
US$ 8 bilhões para US$ 20 bilhões. Outras culturas beneficiadas são as de arroz,
milho, soja e trigo.
9O Grupo de Cairns foi criado em 1986, por iniciativa dos governos de
Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Filipinas, Hungria,
Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Tailândia e Uruguai, países exportadores de
produtos agrícolas, como resposta ao quadro de protecionismo prevalecente e com
o objetivo principal de promover um sistema global de livre mercado agrícola.
Paraguai e África do Sul passaram a integrar o Grupo em 1997 e 1998,
respectivamente. O G-20 foi formado na atual Rodada de Negociações e é liderado
pelo Brasil, China e Índia.
Data de Publicação: 06/05/2004
Autor(es): Valquiria da Silva Consulte outros textos deste autor