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Trigo: indefinição sobre a safra de 2004
A
produção nacional de trigo vem apresentando crescimento mais expressivo desde
1999. A área cultivada evoluiu de 1,2 milhão de hectares em 1999 para 2,4
milhões em 2003, quando a safra atingiu 5,9 milhões de toneladas. Foi o segundo
maior volume produzido, ficando atrás apenas do nível recorde de 6,2 milhões de
toneladas obtidos em 1987, época em que a comercialização tinha forte presença
governamental. Figura 1 - Preços Médios Mensais Corrigidos1do Trigo Recebidos pelos Produtores no Estado de São
Paulo, 1994/2004
Com a produção nacional representando cerca de 62% do consumo doméstico, houve
redução de preços por ocasião da safra, notadamente nos estados da Região Sul,
principal produtora e na qual a colheita se concentra nos últimos meses do ano.
Esse fato gerou dificuldades no estabelecimento de acordo entre produtores e
moageiros.
Por outro lado, a conjuntura internacional no período da safra de 2003 favoreceu agricultores e tradings, uma vez que viabilizou o escoamento de parte expressiva da safra, principalmente nos estados do Rio Grande do Sul e do Paraná, através de exportações. Este é um fato inédito na triticultura brasileira, que contribuiu para aliviar a pressão de baixa sobre os preços recebidos pelos triticultores. Conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)1, entre dezembro de 2003 e
fevereiro de 2004 foram exportadas 634,2 mil toneladas de trigo no valor de US$
99,1 milhões , abrindo novas possibilidades de mercado para a triticultura
brasileira.
Os preços recebidos pelos triticultores brasileiros foram muito influenciados
pela desvalorização do real, que encareceu as importações e, portanto, aumentou
a competitividade do produto nacional. Em São Paulo encontra-se a maior demanda
do produto e mais 30% da capacidade de moagem instalada no país, de forma que o
cálculo da paridade do preço do produto nacional com o importado leva em conta o
preço CIF São Paulo. Geralmente os preços recebidos pelos produtores paulistas
são mais elevados que os de outros estados, mas a tendência é a mesma.
Desde janeiro de 1999, por influência da mudança na política cambial brasileira, os preços médios mensais recebidos pelos produtores paulistas, corrigidos pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas (FGV)2,
firmaram-se em patamares sempre superiores a R$ 20,00 o saco de 60kg. Em
setembro de1999, estava em R$ 23,93/sc, atingindo os maiores valores em outubro
de 2002 quando o preço médio chegou a R$ 43,93. Em setembro de 2003, o preço
médio recebido foi de R$ 28,54/sc (figura 1).
1Em reais de fevereiro de 2004, corrigidos pelo IGP - DI da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Além
da desvalorização do real, outros fatores concorreram para a retomada do
crescimento da triticultura brasileira. Os problemas econômicos na Argentina,
principal fornecedor de trigo para o Brasil, começaram a dificultar as
importações brasileiras. Diante da instabilidade da moeda, os produtores
argentinos procuravam reter o produto, enquanto o governo adotava políticas de
taxação de exportações. Nessa conjuntura, a produção argentina de trigo foi
reduzida nos períodos 2002/03 e 2003/04.
Esses fatores colaboraram para que no Brasil os diversos segmentos da cadeia
produtiva do trigo se unissem para articular junto ao governo políticas que
estimulassem o plantio do cereal. Uma delas foi a correção do preço mínimo em
40,3% e 50%, conforme a região, fixando o valor para 2003 em R$ 400,00 por
tonelada (R$24,00/60kg) para os estados do sul e em R$ 450,00 (R$27,00/60kg)
para as demais regiões.
Para 2004, a estimativa da Câmara Setorial das Culturas de Inverno (trigo, cevada, aveia e centeio), colegiado que atua junto ao Ministério da Agricultura (MAPA)3, é de expansão de 10% na área cultivada
com trigo. Contudo, informações obtidas em algumas regiões produtoras mostram
uma certa indefinição por parte dos agricultores, sendo que, até o momento, não
há nenhum levantamento de intenção de plantio disponível para dar sustentação
factual.
Em São Paulo, o comportamento da triticultura é semelhante ao observado nas
principais regiões produtoras do país. A área cultivada evoluiu de 19.240
hectares em 1999 para 51.809 hectares na última safra, quando foram produzidas
116,2 mil toneladas. É importante lembrar que o Estado já cultivou área bem
maior que essa, de 219,7 mil hectares em 1989, a qual resultou num volume de
362,9 mil toneladas.
Os preços recebidos pelos produtores paulistas em 2003, considerando o período
de safra, de agosto a outubro, foram 9,5% menores que os do ano anterior, mas
ainda estão nos patamares mais elevados do período pós-Plano Real. Mesmo assim
os triticultores paulistas estão reticentes quanto à expansão da área cultivada,
alegando que o custo de produção aumentou muito e que o alto risco da atividade
não está sendo amparado por seguro rural. De acordo com o Departamento de
Economia Rural do Paraná (DERAL), em valores de dezembro de 2003, o custo
operacional está estimado em R$ 951,56 por hectare ou R$ 23,80/sc 60kg.
Assim, na região sudoeste do Estado de São Paulo, os agricultores estão dando
preferência ao triticale, que apesar de menor preço comparativamente ao do trigo
é uma cultura mais rústica e, portanto, de menor custo. O triticale tem como
mercado não só a indústria de ração mas também a própria indústria moageira de
trigo, que pode utilizá-lo para a obtenção de farinha destinada à fabricação de
alguns tipos de biscoitos.
No mercado internacional, embora todos os grandes exportadores tenham aumentado a produção, com exceção da União Européia, a produção mundial do período 2003/04 está estimada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)4 em 548,06 milhões de toneladas, 3,0% inferior ao
resultado do ano anterior. Isso devido à redução em importantes países
produtores e grandes consumidores, como Índia, China, países do antigo bloco da
URSS e os do Leste Europeu.
Portanto, o nível dos estoques finais mundiais continua baixo, estimado pelo USDA em 124,9 milhões de toneladas. Por outro lado, a bolsa canadense de trigo (Canadian Wheat Board)5 já apresenta projeção
para 2004/05 na qual eleva em 30 milhões de toneladas a produção mundial que
assim deverá situar-se em 581 milhões de toneladas. A projeção está baseada na
estimativa de aumento da produção dos principais países exportadores. Dessa
forma, a conseqüente recomposição dos níveis dos estoques pode projetar menores
cotações de preço no mercado internacional na temporada 2004/05.
A decisão do triticultor nesse momento é de alto risco (além daqueles próprios
da atividade de inverno, mais sujeita às adversidades climáticas). O preço do
mercado interno é dependente do mercado internacional, o qual está sinalizando
aumento da competição entre os exportadores.
1 CONAB: www.conab.gov.br
2 FGV: www.fgv.br/conjuntutra.htm
3 MAPA: www.agricultura.gov.br/
4 USDA: www.usda.gov/newsroom/
5 Canadian Wheat Board:
http://www.cwb.ca/en/topics/presentations/pdf/2004/wht_outlook.pdf
Data de Publicação: 06/04/2004
Autor(es):
José Roberto Da Silva (josersilva@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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