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China Quer Mais Que Dobrar Negócios Com Brasil Até 2010
Mais
comércio para aumentar as receitas cambiais e a riqueza dos dois países. É o que
defenderam com veemência o cônsul geral da China em São Paulo, Shen Qing, e o
presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Charles Tang, durante
o seminário 'Brasil-China: uma parceria estratégica', no dia 4 de março na
Federação do Comércio do Estado de São Paulo. China no Brasil
A China é o país dos grandes números: população de 1,3 bilhão de habitantes, PIB
de mais de US$ 1,2 trilhão e reservas de US$ 300 bilhões, segundo Charles Tang.
Do volume de comércio exterior chinês de US$ 509,8 bilhões em 2001, os negócios
com o Brasil não passaram de irrisórios US$ 3,7 bilhões, conforme Shen Qing.
Outra disparidade: mais de 300 missões de empresários chineses, segundo o
cônsul, vieram conhecer o mercado brasileiro no ano passado, enquanto o Brasil
não conseguiu enviar à China nem 10% disso. O número de vistos de negócios para
o Brasil vem crescendo à taxa de 30% ao ano, segundo a Embaixada do Brasil em
Pequim, que emitiu 8.000 vistos em 2000. De acordo com a Embaixada chinesa, o
número de vistos concedidos anualmente no Brasil está abaixo de 1.500.
Os dirigentes chineses pós-Mao Tse Tung querem recuperar o tempo perdido, de
acordo com o jornalista Jayme Martins que viveu mais de 20 anos naquele país. 'A
liderança chinesa, retomando postulados de Marx, proclamou que, após a tomada do
Poder, a essência do socialismo, em vez de traduzir-se simplesmente em uma
distribuição social mais justa da renda existente, consiste em emancipar e
desenvolver as forças produtivas, isto é, a capacidade científica e tecnológica
(Educação), bem como de capital, para produzir mais e melhor, a fim de
impulsionar o progresso social do País em seu conjunto, refletindo-se
obrigatoriamente no bem estar social.'
Como fruto dessa nova orientação – continua Martins – as autoridades chinesas
batizaram o novo sistema econômico do país de 'economia de mercado socialista
com características chinesas'. O resultado das transformações é que a China já é
a quinta economia do mundo (segundo levantamentos do Banco Mundial e do FMI) e
seu comércio exterior já representa quase de 50% do PIB, superado apenas por
países como Estados Unidos, Japão e Alemanha.
Ingresso na OMC - Ao pavimentar o caminho para o
acesso à Organização Mundial do Comércio (OMC), a China não apenas promoveu
reformas na economia, como também mudou inteiramente o seu ordenamento jurídico,
como diz o advogado Durval de Noronha Goyos Júnior, que tem escritório na China
desde 2000. 'A sua economia e o seu ordenamento jurídico são orientados dentro
de duas vertentes básicas: o território alfandegário normal e o território das
áreas econômicas especiais.'
Para atrair investidores estrangeiros e estimular o comércio exterior, explica
Noronha, a partir da década de 1980 foram criadas as áreas econômicas especiais
(Shenzhen, Zhuhai, Shantou na província de Guangdong, Xiamen na província de
Fujian, Hainan e a Zona de Comércio Livre do Porto de Tianjin), além de 14
cidades litorâneas, seis cidades no Rio Amarelo, 21 capitais provinciais e 13
cidades fronteiriças, 'todas com regime legal especial'.
Na área jurídica, os chineses aperfeiçoaram a legislação, nos anos 1990s, com
base no direito civil dos países latinos, segundo o advogado John Ferençz
McNaughton, do escritório Noronha-Advogados. 'Eles fizeram uma legislação
especial para investidores estrangeiros; são leis específicas para empresas
estrangeiras. Leis que tratam de joint-ventures entre um sócio chinês e um sócio
estrangeiro. Não é nem uma limitada nem uma sociedade anônima. Essa foi uma
grande inovação do direito chinês na época.'
De acordo com Noronha, a partir de meados da última década, 'a China criou um
regime fiscal eficiente, com base no imposto de renda e no imposto sobre valor
agregado. A China tem apenas nove impostos. Comparados com os nossos cerca de 70
impostos, isso dá mais competitividade aos negócios, às empresas que usam a
China como plataforma de exportação. Sem o ônus de uma política tributária
disparatada, as empresas estabelecidas na China têm uma competitividade
internacional muito grande'.
Para ingressar na OMC, a China 'acedeu a todos os acordos da Rodada Uruguai do
Gatt (acordo geral de tarifas do comércio)', lembra Noronha. Significa que o
país terá de oferecer 'tratamento isonômico às empresas de capital estrangeiro
no confronto com aquelas de capital nacional'. Ou seja, o modelo de
joint-venture (entre sócio chinês e sócio estrangeiro), segundo McNaughton, terá
de ser revisto nesta próxima década, para acabar com a distinção entre empresa
de capital estrangeiro e de capital doméstico. Este é um dos princípios básicos
da OMC, 'que dispõe que o país deve tratar o exportador estrangeiro da mesma
forma que o nacional, depois de passada a barreira tarifária', complementa
Noronha.
Outro princípio básico da OMC, de acordo com Noronha, é o da cláusula de nação
mais favorecida. 'A China então assegurou um tratamento nacional e
não-discriminatório a todos os Estados-membros e prometeu revogar no âmbito
nacional e também nas áreas especiais todas as leis e regulamentos
inconsistentes com as regras da OMC sobre tratamento nacional.'
O advogado assinala que a agricultura chinesa é a menos subsidiada do mundo (com
menos de 1%), o que a torna bastante competitiva. 'No acordo de acesso à OMC, a
China foi autorizada a subsidiar até 8,5%, mas mantém esse nível em 1% e deverá
ficar nesse patamar.
Estatísticas chinesas – O cônsul geral chinês em São
Paulo considera que houve grande avanço no comércio entre os dois países em
2001. As estatísticas aduaneiras da China mostram que o país importou do Brasil
US$ 2,347 bilhões, com incremento de 44,8% sobre o ano 2000, um recorde
histórico. Por sua vez, a China exportou para o Brasil US$ 1,351 bilhão no mesmo
período (acréscimo de 10,4%).
O montante de comércio exterior da China no ano passado cresceu 7,5% em relação
a 2000, de acordo com Shen Qing. Os negócios com o Japão aumentaram 5,5% no
mesmo período, com os Estados Unidos, 8,1%, e com a União Européia, 11%. Já o
montante comercializado com a América Latina cresceu 18,6%, com destaque para o
Brasil (mais 30%) que só perde para a Rússia (mais 33%) nas transações
comerciais com a China.
Entre as exportações brasileiras para a China, predominaram os produtos
primários (77% do total), com US$ 1,8 bilhão. O maior destaque do agronegócio na
pauta de exportações foi o açúcar (incremento de 3.860% nas vendas sobre 2000).
Os produtos acabados brasileiros somaram exportações de US$ 541 milhões (mais
49%). Na área de agronegócio, acréscimos significativos ocorreram em têxteis
(mais 431,9%), produtos de borracha (253,9%), madeira (56,2%), produtos de couro
(54,9%), fumos e cigarros (incremento de 101,5%).
Do lado das exportações chinesas, o índice de crescimento foi de 10,4% segundo
Shen Qing, mantendo 'um ritmo normal'. Contudo, as vendas de produtos primários
para o Brasil representaram apenas 11% do total, ou US$ 160 milhões, embora
representassem acréscimo de 89,4% em relação ao ano 2000. Já as exportações de
produtos acabados industriais atingiram quase US$ 1,2 bilhão, ocupando 89% do
total.
O cônsul chinês, porém, reclamou do déficit acumulado crescente na balança
comercial, de US$ 4,8 bilhões nos últimos nove anos em favor do Brasil. 'O
déficit está muito grande, está aumentando e não é uma situação boa. Somente
poderemos importar mais se as nossas exportações aumentarem e os investimentos
estrangeiros diretos também aumentarem', disse.
Perspectivas - A entrada da China na OMC significa
que 'o sistema multilateral de comércio ganhou um parceiro de importância
transcendental', na opinião da diplomata Maria Nazareth Farani Azevedo, chefe da
Divisão de Acesso a Mercado do Ministério das Relações Exteriores, pois o país
tem altas taxas médias de crescimento, é responsável por cerca de 6% do comércio
mundial de bens (incluindo Hong Kong), tem mercado para aeronaves regionais e
demanda crescente por alimentos (complexo soja, carnes, etc.). Além disso, o
ingresso da China significa 'o aumento da representatividade da Organização',
pois, 'diferentemente de outras organizações internacionais de cunho mais
político, na OMC tem peso maior quem tem mercado, quem tem poder econômico para
exportar ou importar', assinala.
Ao adotar comportamento pragmático na atuação no sistema multilateral de
comércio, a China busca maior liberalização do comércio internacional de
têxteis, setor até hoje protegido pelos países desenvolvidos, o que a torna
aliada do Brasil, exemplifica Maria Nazareth. Também reivindica, 'até com
legitimidade, a condição de país em desenvolvimento e, nesse contexto, deverá
alinhar-se com outros países emergentes no combate aos subsídios agrícolas e na
oposição a tentativas de vinculação de regras do comércio internacional a normas
ambientais e trabalhistas'.
Na nova rodada multilateral da OMC, a China tende a atuar 'de forma a favorecer
as negociações provavelmente porque deseja obter maior abertura dos principais
mercados consumidores para seus produtos, muitos deles considerados sensíveis
pelos 'major players'', observa Maria Nazareth.
Oportunidades - Com a entrada da China na OMC,
ampliam-se as oportunidades comerciais para o Brasil nos diferentes setores da
economia, conforme a diplomata. 'O Brasil deverá ser beneficiado, em particular
no setor agrícola (não se deve perder de vista competidores regionais na área de
'commodities', como a Austrália e a Nova Zelândia, que deverão investir em
estratégias agressivas para aumento de sua participação no mercado chinês).'
A tarifa média consolidada pela China para produtos agrícolas, registra Maria
Nazareth, vai situar-se no patamar de 15% (varia entre 0% e 65% ad valorem),
enquanto para os produtos industriais ficará em torno de 8,9% (varia entre 0% e
47%). As tarifas estabelecidas para os principais produtos do agronegócio são as
seguintes: soja em grão: a tarifa passa a ser de 3%; açúcar: a tarifa
intra-quota será de 15% (quota tarifária chegará a 1,945 milhão de toneladas
métricas em 01/01/2004) e a tarifa extra-quota será de 50%; óleo de soja: a
tarifa intra-quota será de 9% (quota tarifária atingirá o montante de 3,587
milhões de toneladas métricas em 01/01/2005), sendo que em janeiro de 2006 a
quota será desmantelada, vigorando apenas o sistema tarifário no patamar de 9% -
fora da quota, a tarifa será desgravada de 85% para 19,9% em 2005 e 9% em 2006;
suco de laranja: tarifa está consolidada em 7,5%; extratos, essências e
concentrados de café: 17% em 01/01/2004; carne bovina congelada: tarifas de 12 a
25%, conforme a linha tarifária, com implementação final em 01/01/2004; carne de
frango: tarifas de 10% a 20%, conforme a linha tarifária, com implementação
final em 01/01/2004; frutas: tarifas de 10% a 30%, conforme a linha tarifária e
implementação final, na maioria dos casos, em 01/01/2004.
Segundo a chefe da Divisão de Acesso a Mercado do Ministério das Relações
Exteriores, análises preliminares indicam alguns produtos da pauta exportadora
brasileira que desfrutarão de oportunidades comerciais crescentes na China. São
eles: carnes, insumos para a produção de carnes (em particular, farelo de soja e
rações animais para alimentar o maior rebanho suíno do mundo), pescados
(especialmente camarões e frutos do mar de água salgada), frutas tropicais,
cítricos e sucos e açúcar de melhor qualidade do que o produto chinês, além de
óleos vegetais comestíveis (e também óleo de palma ou dendê para uso industrial)
e madeiras brutas e beneficiadas (para atender a demanda crescente de móveis).
Desafio - O cônsul geral em São Paulo, Shen Qing,
lançou um desafio aos dois países: elevar o montante bilateral de comércio para
um patamar acima de US$ 10 bilhões antes do ano 2010. Para isso, promete que 'a
economia chinesa continuará crescendo em ritmo acelerado. A nossa previsão é que
o nosso crescimento não será inferior a 7%'.
O desafio é oportuno. O que está em jogo é a necessidade de o Brasil ser mais
agressivo na busca de novos mercados para os seus produtos e serviços. 'As
oportunidades abertas pela acessão da China na OMC vão requerer presença mais
frequente e atuante do empresariado no mercado chinês', diz a diplomata Maria
Nazareh.
Nesse sentido, foi positiva a iniciativa do ministro do Desenvolvimento
Econômico, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral, de liderar, em abril,
missão comercial de mais de 100 empresários brasileiros para participar da feira
comercial Brasil-China, em Xangai. Reduzir a disparidade entre os números de
missões comerciais pode ser um bom começo para o Brasil diminuir as desvantagens
em relação aos grandes números chineses no comércio internacional. Desde que
isso implique em maior volume de comércio.
China na OMC: uma espada de dois gumes
Planeta China: do plano ao
mercado
Data de Publicação: 03/04/2002
Autor(es): José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor