Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA): algumas considerações e desconsiderações

            Uma das principais críticas oposicionistas à atuação do governo FHC no que se refere à política de reforma agrária decorre do fato de que teria acentuado o que se designou como 'Reforma agrária de mercado', a qual serve para valorizar e dar liquidez aos latifúndios, cujo preço apresentava queda acentuada em todo o território brasileiro.
            No entanto, não se deve negar que a atuação deste governo intensificou-se no final do século passado a ponto de ter assentado em torno de 75.000 famílias/ano – em condições precárias, é verdade, porém melhorando a situação quando comparada às décadas de 1980 e 1990.
            Todavia, segundo COUTINHO (2003), 'uma intervenção como a realizada nos últimos anos do século XX e nos primeiros do século XXI não é suficiente para se contrapor às tendências vigentes: emigração do equivalente a mais de 210 mil famílias rurais por ano; desaparecimento anual de quase 100 mil estabelecimentos rurais pequenos; destruição média anual de 550 mil postos de trabalho na agropecuária. Quando muito, a atuação governamental teria permitido que em cinco anos (1995 a 1999) tivessem sido criados 373.220 novos e precários estabelecimentos rurais, pouco mais de um terço dos que desapareceram; gerado 1,2 milhão de ocupações, 22% dos empregos agrícolas destruídos; e retido no meio rural o equivalente a 18% do contingente que emigrou'1. Este autor faz o cálculo de famílias demandantes por reforma agrária (potencialmente beneficiárias) e conclui que em 1995 eram 3,706 milhões, declinando para 3,412 milhões em 2001.
            Número tão elevado de famílias demandantes justifica o anteprojeto do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) ter sido planejado com a perspectiva de assentar 1 milhão de famílias até o final do atual governo.
            Em 21 de novembro deste ano em Brasília, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, anunciou o anteprojeto com a previsão (mais realista?) de serem assentadas 400.000 famílias até 2006, com o adicional de 130 mil famílias incluídas no Programa Nacional de Crédito Fundiário – que substitui o Banco da Terra. O Governo Federal prevê ainda a regularização fundiária de outras 530 mil famílias no mesmo período, a elas concedendo o título definitivo do imóvel.
            Das 400 mil famílias a serem assentadas, 30 mil deveriam ser atendidas até o final de 2003, 115 mil em 2004, 115 mil em 2005 e 140 mil em 2006. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)2, 7.342 famílias foram assentadas em projetos criados em 2003 e 14.351 em projetos do governo anterior, totalizando apenas 21.693 famílias assentadas até a presente data.
            O ministro salientou que o novo PNRA estaria introduzindo o conceito de Desenvolvimento Territorial na reforma agrária, com o objetivo de pôr fim à idéia da adoção de modelo único de assentamento em todo o país, buscando-se desta maneira desenvolver os assentamentos segundo as características e potencialidades de cada região.
            Entre outras metas do PNRA, vale ressaltar: a recuperação da capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos atuais assentamentos; a criação de 2,075 milhões de postos permanentes de trabalho no setor reformado; a garantia de assistência técnica e extensão rural, capacitação, crédito e políticas de comercialização a todas as famílias das áreas reformadas.
            O jornalista Mateus Alves do 'Correio da Cidadania'3 ressalta que o governo FHC via a reforma agrária como instrumento que poderia solucionar conflitos e remover tensões, enquanto a atual proposta concentra a desapropriação em áreas geográficas específicas, e busca criar uma grande força camponesa que possa se tornar um contraponto ao agronegócio e que proporcione uma mudança profunda no modelo agrícola brasileiro.
            Para o economista Guilherme Delgado, integrante da comissão que preparou o anteprojeto, embora o crédito fundiário possa ser tratado como ação complementar, é impossível considerar a regularização fundiária como parte de um projeto de reforma agrária por tratar-se apenas de uma 'ação cartorial'. A reforma Agrária, segundo Delgado, deve requerer ações de maior envergadura, entre as quais financiamento da produção, garantias de comercialização, assistência técnica e a construção e implantação dos lotes de financiamento.
            Finalmente, cabe lembrar os comentários do próprio coordenador da comissão do PNRA, Plínio de Arruda Sampaio, ao presidente Lula, em que afirma ser quase impossível uma reforma agrária com as pretensões apresentadas no anteprojeto vis a vis o superávit primário. A possibilidade de êxito viria com a concordância do Fundo Monetário Internacional (FMI) em retirar esta ação do orçamento de despesa – gasto público – e contabilizá-la como investimento.

1 COUTINHO, Ronaldo Garcia. O Desenvolvimento Rural e o PPA 2000/2003: Uma tentativa de avaliação. Texto para Discussão número 938, IPEA, Brasília, 2003, 47 pgs.
2 INCRA: www.incra.gov.br
3 Artigo publicado no site www.correiocidadania.com.br, semana de 22/11 a 28/11

Data de Publicação: 15/12/2003

Autor(es): José Eduardo Rodrigues Veiga (zeveiga@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor