Artigos
Café: driblando a crise
Novembro, mês em que o Brasil atua isoladamente na oferta de café no mercado
internacional, foi decepcionante para o setor, tendo em vista o declínio
contínuo das cotações ao longo do período. A normalização das condições
climáticas no País, tornando-as favoráveis à cultura, e o volume expressivo em
oferta dominaram as tendências para o mercado internacional. Gráfico 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes
mercados de futuros, 2001 a 2003
Num balanço do mês, verificou-se redução das cotações em todos os mercados.
Assim, no mercado de Nova Iorque, o preço médio do café arábica (Contrato C,
segunda posição de março de 2004) teve baixa de 4,78%; na Bolsa de Londres
(cotação para fevereiro de 2004), a queda no preço do robusta chegou a 5,76%,
enquanto na BM&F o preço do arábica atingiu queda de 2,91%. Em função da
redução nas cotações do robusta, o preço composto diário da OIC apresentou recuo
de 3,80%. Em decorrência desse quadro, as cotações voltaram aos níveis
observados em junho deste ano (gráfico 1).
Fonte: Gazeta Mercantil
A
diferença das cotações entre BM&F e Nova Iorque, que tinha atingido menos
US$ 22,33 a saca, foi reduzida para menos US$ 13,80/saca, o menor valor nos
últimos 36 meses, evidenciando que o segmento de exportação obteve lucros
extraordinários em detrimento dos cafeicultores.
As instabilidades no mercado internacional de cafés arábicas, na Bolsa de Nova
Iorque, para as cotações de março de 2004, observadas em novembro de 2003,
definem uma tendência de queda de preço para o setor. Provavelmente, somente
após a melhor definição da safra futura do Brasil, o mercado deverá definir uma
nova tendência às cotações do produto (gráfico 2).
Gráfico 2 - Cotações diárias em novembro na Bolsa de Nova Iorque, para café arábica, Contrato C, Março de 2004
Fonte: Gazeta Mercantil
Os altos estoques dos países importadores e o fluxo da oferta de origem, principalmente do Brasil e dos países centro-americanos, permanecem como as principais variáveis na formação do preço do café no mercado internacional. Isto, aliado à expectativa excessivamente otimista de uma safra expressiva de café, faz com que mesmo os menores volumes colhidos e exportados pelo Brasil não consigam uma possível reversão na tendência baixista predominante do mercado1.
O cafeicultor brasileiro enfrentou um mês desfavorável em outubro, quando o
preço médio recebido praticamente se manteve igual ao do mês anterior. Isso foi
resultado da pequena queda de preço nos mercados internacionais, associada a uma
moeda mais valorizada, reduzindo as receitas em reais do setor.
A atual política cambial do governo brasileiro proporcionou queda de pelo menos
4,50% nos preços recebidos pelo setor em 2003. As cotações observadas em
novembro de 2003 para os produtores de café de São Paulo são cerca de 8%
inferiores às do mesmo mês de 2002. É provável que somente uma desvalorização do
real no curto prazo poderá alterar essa situação, melhorando as cotações no
mercado interno (gráfico 3).
Gráfico 3 - Preços médios mensais recebidos pelos produtores de café no Estado de São Paulo no período de 2000 a 2003
Fonte: Instituto de Economia Agrícola
Mesmo considerando as instabilidades das cotações de café nos mercados de futuros nos últimos 12 meses, verifica-se uma variação acumulada de menos 2,64% para as cotações mensais do café arábica na BM&F e uma queda de 11,66% na Bolsa de Nova Iorque. Já a baixa para o robusta atingiu 12,61% na Bolsa de Londres. A trajetória dos preços de café recebidos pelos produtores, em reais, nos últimos 12 meses, aponta para uma queda de 1,96%. Os preços em outubro voltaram aos níveis observados no mesmo mês do ano passado (gráfico 3).
Surgem novas barreiras ao comércio
Notícias informam que, pela primeira vez, um carregamento de café africano foi
impedido de desembarcar na União Européia, em decorrência da constatação da
presença da ocratoxina contaminando os grãos. Esse tipo de ocorrência,
lamentavelmente, deve tornar-se algo cada dia mais freqüente, pois a estratégia
dos países desenvolvidos na questão do comércio internacional de produtos
agrícolas é a de criar obstáculos para terceiros com vistas a legitimar suas
políticas públicas de apoio ostensivo ao segmento.
O fungo causador da contaminação por ocratoxina é particularmente comum nas
frutas secas (especialidade de inúmeros países pertencentes a União Européia) e,
em menor proporção, também nos cereais de inverno. Essa informação precisa
alcançar e subsidiar nossas autoridades diplomáticas para que se antecipem a
qualquer tentativa de restringir o acesso do café brasileiro aos mercados
importadores. Na verdade, o que não desejamos nesse momento de severa crise nas
cotações do produto é que o início de uma nova guerra comercial com mútuas
retaliações seja travada no cenário internacional.
A crescente presença do terceiro setor
O
terceiro setor, que engloba as ONGs e outras organizações sem fins lucrativos,
constitui-se numa das mais importantes forças de mobilização da sociedade civil
nos quatro cantos do globo. Felizmente, também o café começa a ser focado nas
ações desses grupos sociais.
Algumas comunidades de pequenos cafeicultores, sob sistema de produção
tipicamente familiar (que faz uso de empregados permanentes), estão sendo
beneficiados por essas organizações que propugnam o comércio justo. Os embarques
de café verde e de solúvel já começam a chamar a atenção, pois uma das vantagens
desse tipo de intermediação é a garantia de preço mínimo para os cafeicultores
que atualmente está fixado em US$ 1,2/lbp.
A adesão da rede de fast food estadunidense Donking
Donuts ao conceito do comércio justo de café deverá agregar até 2005 mais de
5.000 lojas dentro dessa filosofia. Estimativas precárias indicam que a demanda
por café somente dessa rede alcance 6.000 sacas ao ano. Caso tal estratégia
empresarial seja seguida pelos demais concorrentes nesse mercado, a demanda
poderá crescer em ritmo exponencial. Sindicatos de trabalhadores rurais e
associações de pequenos cafeicultores precisam monitorar a atuação dessas
agências de comércio solidário para dar início a um processo de certificação de
suas associados e regiões de abrangência.
II Prêmio 'Aldir Alves Teixeira' de Qualidade
Aparentemente, os torrefadores brasileiros estão definitivamente despertando
para a necessidade de focar suas estratégias de crescimento pautadas pela
qualidade dos produto. Essa foi a principal constatação que se pode extrair dos
ágios pagos pelos lotes durante o leilão do II Prêmio de Qualidade do Café de
São Paulo, ocasião na qual foi pago o maior preço da história da torrefação
doméstica por uma saca de café (R$ 1.203,50 por um café natural).
Foi a concatenação de esforços coletivos, capitaneados pela coordenador da
Câmara Setorial do Café, que fez dessa empreita o sucesso desejado. Ao se
revelarem propensos a anunciar publicamente seus lances por cafés de alta
qualidade, selecionados em nove regiões do Estado, esses torrefadores estão
contribuindo decisivamente para que o mercado consumidor passe a perceber o
produto café torrado e moído de outro modo.
Os lotes adquiridos pelas cinco torrefadoras participantes terão seus cafés
lançados em supermercados selecionados do Estado de São Paulo, em janeiro de
2004, em parceira com a Associação Paulista de Supermercadistas (APAS). Câmara
Setorial do Café e APAS, numa aliança de esforços, poderão construir
definitivamente uma nova imagem para o produto café, na qual o consumidor
reconheça maior valor à qualidade oferecida e se abra para as diferentes
qualidades que o produto pode apresentar.
Dois surtos de lucidez no Governo Federal?
Às
vezes somos surpreendidos pelas ações que são divulgadas de maneira sempre
tempestiva. Em primeiro lugar, foi o anúncio de que o Governo estava tornando
disponível R$ 5,8 milhões para a pesquisa cafeeira. O mais incrível dessa
iniciativa é que tal ação sequer fazia parte dos documentos preparados pelos
lobbistas de plantão, que representam o pensamento mais arcaico em termos de
política públicas para o café (a velha guarda dos ordenamentos, recapitalização
e prorrogação).
Foi mesmo uma jogada de mestre ter respondido à pressão do setor com mais
dinheiro para a pesquisa. Se existe um campo em que os recursos do FUNCAFÉ foram
bem utilizados (com a exceção dos cerca de R$ 2 milhões que todos nós
conhecemos), com resultados extremamente importantes para todo o segmento, este
foi o da pesquisa. Assim, cremos que a liberação de novos recursos foi até um
reconhecimento desse papel desempenhado.
A segunda notícia que surpreendeu a todos foi o relatório do Tribunal de Contas
da União (TCU). Os procuradores que investigaram os recursos do FUNCAFÉ não
poderiam ter preparado relatório mais realista sobre o destino dos recursos. A
desfaçatez com que as lideranças dos cafeicultores demandavam novos recursos,
sem qualquer tipo de prestação de contas dos empréstimos passados, deixava todos
os demais participantes do Conselho Deliberativo de Política Cafeeira (CDPC)
muito incomodados.
Nossa expectativa é de que as investigações tenham andamento célere e, em algum
momento, seja divulgada a lista dos maiores devedores dos empréstimos do FUNCAFÉ
para que possamos definitivamente separar aqueles que defendem os seus
interesses particulares daqueles que efetivamente defendem o desenvolvimento do
setor.
1 Ao fechamento desta análise, a CONAB divulgou sua previsão para a safra 2004/05 com volume de café a ser colhido entre 34,1 e 37,5 milhões de sacas. Tal previsão, caso aceita pelo mercado, poderá dar finalmente início a um ciclo de recuperação sustentada dos preços.
Data de Publicação: 08/12/2003
Autor(es):
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor